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Entrevista exclusiva (3) 100 anos: Wilson na prefeitura de Campo Grande



"Sim, um dia me recordo que o Fernando (Correia da Costa) falou comigo. A solução para a sucessão dele ia ser resolvida com a minha candidatura. Eu consultei as pessoas próximas e acabei aceitando. Mas, na verdade, a minha candidatura ainda não estava madura. Acho que não era a minha vez – e tanto não era que acabei sendo derrotado. Perdi a eleição por 500 votos. Foi eleito o Dr. Ary Coelho de Oliveira que era das nossas hostes e que tinha saído do partido, entrou no PTB e se fez candidato(...)."


Nesta terceira entrevista publicada pelo blog com o ex-governador Wilson Barbosa Martins ele fala sobre a política em Campo Grande nos anos 50. 

Na sua primeira tentativa, ele foi derrotado por Ary Coelho. Mais tarde, conseguiu ser eleito vitaminado pela campanha pela encampação da empresa de energia elétrica local. 


Aqui ele fala de sua atividade jornalística, de suas relações com o Partido Comunista, da criação do Jornal Correio do Estado e da melhor fase de sua vida trabalhando como prefeito da cidade.  


Tema da entrevista realizada em  24 de maio de 1999: o início da carreira política e a Prefeitura de Campo Grande


P- Antes de começarmos a entrevista sobre o tema de hoje, eu gostaria de voltar um pouco a uma questão que, acho, ficou pendente na entrevista passada. Quando falamos sobre a questão da revolução de 30 algumas coisas não ficaram claras e eu não quis aprofundar na hora porque achei  que não cabia, afinal, o sr. tinha 15 anos na época e, dificilmente, poderia compreender os fatos como compreende hoje. Mas acho que talvez valha a pena: como o sr. se lembra, Washington Luís rompe a política do café com leite, indica Júlio Prestes, que ganha a eleição de Getúlio, num processo fraudulento. Em seguida, o País conturba-se, depõe-se Washington Luís, assume uma junta militar, para, em seguida, assumir Getúlio. Em 32, São Paulo deflagra a chamada Revolução Constitucionalista, rebelando-se contra o governo, e inicia-se uma crise com intervenção militar. Quando isso acontece, na verdade uma decisão motivada por questões internas paulistas, vinculadas a problemas do baronato do café, e. logo em seguida, Vespasiano adere à Revolução Constitucionalista, cria-se aqui um governo separado do norte, e ele faz isso, também de olho nas questões internas, como forma de tomar uma decisão diversa da de Cuiabá. Pergunto: isso foi uma estratégica para criar um fato talvez irreversível e dividir o Mato Grosso na marra?  Ou não: ele acreditava de fato nas intenções divulgadas da revolução proposta de São Paulo e apostava todas as fichas nela? 

W- Não sou pessoa autorizada para responder a essa pergunta. A diferença de idade entre mim e Vespasiano era muito grande. E eu não tinha um contato assim tão íntimo com ele ...

P – Mas mais tarde ele nunca comentou isso?

W- Ele me disse que sofreu extremamente no período da revolução. E me disse: foi o período em que mais sofri na minha vida. Você nunca se meta numa revolução. É uma coisa terrível. Agora, pelas coleções dos jornais da época, você pode ver que ele publicou um manifesto. E esse manifesto dava como razão determinante da decisão dele a crença na reconstitucionalização do País.

P Sim, esse era um manifesto público, mas e as intenções ocultas, nos bastidores?

W- Não tenho conhecimento. Mas é possível que você tenha razão, porque havia um clima em que se procurava trabalhar a idéia de divisão de Mato Grosso. É possível que ele quisesse aproveitar essa oportunidade para forçar a divisão. Ele estava seguro de que na constituinte teria essa oportunidade. E não teve. Aliás, é muito difícil criar-se um estado. É preciso que se tenha uma opinião pública generalizada. Nós criamos o Mato Grosso do Sul porque foi uma questão de Estado. O próprio Presidente da República veio aqui e disse: vamos fazer isso. No Congresso nós transformamos alguns territórios em Estado, mas dividir um estado só quem conseguiu foi Goiás. Isso depois, na Constituinte. Outros Estados, como Minas gerais, queriam fazer uma divisão. O Triângulo Mineiro queria separar-se, o pessoal daquela região estava muito motivado, mas você veja como são os mineiros, e como acontecem as coisas: quando eles tiveram que justificar no plenário do Senado as razões da divisão, eles preferiram não ocupar a tribuna para discutir em aberto a matéria. Vieram pedir a mim, que tinha feito uma colocação sobre a divisão de Mato Grosso, que justificasse. Pediram que eu fosse quem justificasse a divisão de Minas. Eu justifiquei. Mas perdemos.

P- Vamos agora voltar ao nosso tema de hoje: qual foi o momento que o sr. considera o início de sua carreira política? Em que momento isso se dá concretamente?


W- Eu sempre fui político. Na faculdade de direito, como disse a você, tomava as minhas próprias posições. Eu atuava no Grêmio XI de agosto e aquilo era um exercício político.

P- Mas e aqui no nosso estado?

W- Aqui no estado, no antigo Mato Grosso, eu vim formado em 41, e estávamos ainda na ditadura Vargas, que caiu em 45, quando foi eleito o Dutra. Eu era anti-ditatorial, participei do movimento em Campo  Grande contra a ditadura de uma maneira mais ampla com outras forças agregadas à nossa, posteriormente ingressei no principal partido que combatia a ditadura, que era a UDN, e me fixei nela, como eu já falei antes, junto com  o próprio Vespasiano, que tinha ligações com o Filinto , com o Ponce, pessoal da área do Getúlio, mas que veio depois para engrossar nossas fileiras. Considero que foi aí a minha decisão inicial. 

P- Estou sempre lendo referências a uma coisa, nas pesquisas que faço: a campanha pela melhoria do abastecimento energético de Campo Grande, que o sr. praticamente liderou. Pode-se dizer que foi aí que se começou  uma atuação pública mais intensa?

W- Essa foi a campanha mais profunda, mais ampla, de apelo às massas. Essa campanha se aprofundou muito na opinião pública. Isso antecedeu a minha ida para a prefeitura. Eu fui eleito em 1958. O problema energético era muito sério. Era o grande entrave para o crescimento da cidade. E todo mundo se convenceu de que o empresariado de então não tinha condições de melhorar a cidade sem as fontes de energia elétrica. Por outro lado, o governo federal, detentor do poder de conceder e extinguir as concessões, não queria dar os aumentos que a empresa desejava para poder faturar mais em cima da população. E ai estabeleceu uma guerra muito grande, acabando o Cincinato Salles de Abreu perdendo a concessão particular de exploração da geração de energia.
P – Como o sr. entrou nessa luta? Foi por iniciativa própria, ou algo combinado com os grupos políticos?

W- Eu escrevia para o Correio do Estado naquele tempo. Eu escrevia artigos quase que diários sobre o assunto, e também sobre outros problemas; e foi por aí que começamos essa campanha. 

P – Aliás, por falar nisso, como foi a história da criação do Correio do Estado? Consta que o sr. foi um dos fundadores do jornal...

W- Sim, foi um grupo de pessoas ligadas à UDN, que resolvemos criar um jornal, o Correio do Estado. Todos contribuíram com dinheiro para isso. Alguns deram até uma quantia grande: Vespasiano, Laucídio Coelho, Laudemi Barcellos, uns fazendeiros que, na ocasião, eram também detentores de capital e hoje são detentores de problemas (risos). Mas naquela época era diferente: José Fragelli e outros companheiros compraram o jornal, trouxemos inclusive uma pessoa do Paraná para tomar conta, pessoa até ligada a mim, Arari Souto, casado com uma parenta minha. Ele trabalhava num jornal de Ponta Grossa e eu por falta de uma pessoa( ..)ele era jornalista(...)chegou aqui de armas e bagagem, mas tinha um defeito de origem: não conhecia o meio em que vinha trabalhar, então, mais errava do que acertava. E assim como veio, teve que voltar. Não deu certo. O Correio era um jornal de partido, não era uma empresa, nem chegou a ser organizado como uma empresa. E aí se chamou o  José Barbosa Rodrigues. O Barbosa estava aqui. Ele veio como professor, ele e a senhora, dona Enedina, trabalhou um tempo no jornal O Mato-grossense e foi chamado para dirigir o Correio. Era uma pessoa experiente. Um  dos sócios que detinha o maior número de cotas do Correio do Estado era Raul Brunini, morava em Cuiabá, e o professor Barbosa obteve a cessão dessas cotas – e ele então ficou majoritário. Ele organizou a empresa, enfim, acabou sendo o dono do jornal. 

P – O sr. atuava como jornalista?

W- Sim , tinha uma coluna, escrevia regularmente, e em função disso tornei-me mais conhecido na cidade. 

 P- Em função disso, nasceu a candidatura a prefeito?

W- Eu fui escolhido secretário-geral da prefeitura, na administração do Dr. Fernando Corrêa da Costa, que ganhou as eleições e foi prefeito ao tempo em que Getúlio foi também candidato a Presidente - e ganhou as eleições. Ele voltou e foi candidato “nos braços do povo”. Se não me engano isso foi em 50. Então trabalhei administrativamente nesse período. O cargo que eu exercia enfeixava todas as secretarias. Eu exercia a função de um secretário exclusivo. Trabalhava bastante e isso me fez mais conhecido do o ponto de vista político. Nessa época eu fui obrigado a parar de advogar. 

P- Em função disso, o sr. foi candidato a prefeito para suceder Fernando Corrêa da Costa? Como foram as articulações?

W- Sim, um dia me recordo que o Fernando falou comigo. A solução para a sucessão dele ia ser resolvida com a minha candidatura. Eu consultei as pessoas próximas e acabei aceitando. Mas, na verdade, a minha candidatura ainda não estava madura. Acho que não era a minha vez – e tanto não era que acabei sendo derrotado. Perdi a eleição por 500 votos. Foi eleito o Dr. Ary Coelho de Oliveira que era das nossas hostes e que tinha saído do partido, entrou no PTB e se fez candidato(...). Um homem ágil, muito comunicativo e audacioso. Sobretudo isso. Então, ele articulou rapidamente as forças populares e nos derrotou. O Ary, enquanto prefeito, travou brigas extremamente ferozes, criou um clima político muito difícil. Ele era uma espécie de Zeca do PT , guardadas as proporções (risos). O Ary xingava meio mundo, chamava indiscriminadamente todo mundo de ladrão. Isso era o Ary Coelho. E ele começou uma briga intestina por causa da publicação de artigo de jornal, que se deu com Alci Lima, que era um rapaz de Campo Grande, mas que trabalhava na Comissão Estadual de Estrada de Rodagem, em Cuiabá. E havia agressões recíprocas. Entre o Ary e ele. Ambos eram do PTB. E certa manhã ele tomou a decisão, lendo o último artigo do Alci na imprensa, já em Cuiabá, de ir à repartição onde ele trabalhava, com a disposição de fazê-lo engolir literalmente o artigo. Ouvi depois que quando ele entrou na repartição, o Alci veio recebê-lo. Houve uma breve discussão entre ambos. Não sei em que termos. E logo em seguida ele levou um tiro na face e morreu. Depois houve uma eleição para a sucessão do Ary e foi nosso candidato o Dr. Dollor de Andrade. Ele perdeu para o Dr. Wilson Fadul, do PTB. O Dr. Fadul ganhou fácil. As massas estavam com o PTB, em função do Getúlio, a morte do Ary que foi uma bandeira que ficou desfraldada aí por quase vinte anos, esse problema da exploração do cadáver do Ary Coelho(...). Mas voltando ao tema da campanha da questão energética: a minha luta pela encampação da empresa de energia elétrica era uma luta sustentada por toda a gente de Campo Grande. E tinha a representação de todos os partidos, toda a população. Foi vitoriosa, fomos à empresa, constituímos uma comissão, destituímos a diretoria que estava lá e pusemos a nossa. Com isso, fui eleito prefeito.

P – A campanha de encampação foi um degrau importante para elegê-lo prefeito de Campo Grande?

W- Não há dúvida de que ajudou. Eu já era prefeito quando se deu a encampação. Foi um desdobramento.

P- A sua candidatura foi fruto de um acordo político entre a UDN, PCB...

W- Sim UDN, PCB e alguns partidos pequenos. Essa candidatura foi articulada porque meu nome fluía facilmente. Eu era conhecido popularmente. Então o próprio partido não tinha dificuldade nenhuma e tomar esse nome e trabalhá-lo. Os comunistas me ajudaram...

P- A iniciativa dessa aliança com os comunistas foi do sr.?

W- Os comunistas tinham aliança com o partido (UDN), inclusive para a chapa de senadores. Foram apoiados pelo PCB os senadores Vespasiano Martins e João Vilas Boas. Os comunistas elegeram vários vereadores, o Arthur de Barros foi eleito vereador, sendo, posteriormente, meu secretário de fazenda. O Roberto de Vasconcelos era outro vereador. 

P- Vem daí a vinculação de seu nome à esquerda?

W- Sim, até porque eu defendia a tese da reforma agrária, que facilitava por um lado a minha penetração popular, mas agravava a minha situação como membro da UDN. A tal ponto que. saindo da prefeitura(...) vamos examinar isso pra frente, né?

P- Mas acho melhor o Sr. arrematar o raciocínio...

W- Sim , então saindo da prefeitura eu tive novamente o apoio dos comunistas para a Câmara dos Deputados.

P – Como foi a sua administração na Prefeitura?

W- Campo Grande era uma cidade com 60 mil habitantes. Uma cidade que começava desenvolver-se. Começava a tomar consciência de seu papel. E ao mesmo tempo a prefeitura era acanhada. Uma administração que ainda estava dando os primeiros passos. Não tinha nada organizado. Nem em termos material nem em termos de pessoal. Não havia nenhuma modernidade. Quem chegasse e entregasse um papel para tramitar nas várias sessões tinha dificuldade depois para achar o documento. Não havia controle de nada. Não havia controle nem dos serviços de cemitério. Só para ter uma idéia, no cemitério Santo Antônio os enterros se faziam com tal insegurança  que mais de uma vez foram para a vala comum os ossos de cadáveres cujos parentes tinham  adquirido títulos definitivos. O que primeiro chamava atenção na velha prefeitura, que vinha inclusive de boas administrações, como a Dr. Fernando Correia da Costa, que havia feito o asfaltamento de todo o centro da cidade, no tempo em que eu era secretário, e do Marcílio, que prosseguiu o serviço de urbanização, era a necessidade organizar a máquina administrativa. E eu chamei o representante do IBAN, na ocasião era o órgão maior de assistência aos municípios, e me apresentou estudos bem aprofundados. Fez isso e me recomendou que a nossa prefeitura precisava de uma reforma profunda. E eu então levei o assunto à Câmara Municipal e passamos a fazer um serviço de grande envergadura. Fizemos assim o cadastro fiscal. Na área de pessoal subsistia o velho estilo de se fazer as nomeações por decisão do chefe do executivo; não havia concursos, não havia sistema de mérito, não havia serviço de material, não tínhamos almoxarifado, não havia nenhuma legislação sobre os problemas das imobiliárias que pululavam nesse período em Campo Grande. Os terrenos eram valiosos, a cidade começava a crescer. Então, não só as boas imobiliárias como as más imobiliárias pululavam aqui. E não havia disciplina, não havia um serviço de previdência para os funcionários, enfim, não havia legislação nem uma boa prestação de serviço da prefeitura. Trabalhavam melhor aqueles secretários que tinham organização e que controlavam bem o assunto. Mas sempre de uma maneira deficiente.   

P- O sr. tinha dificuldades com o legislativo?

W- Tinha dificuldades. E nesse período cresceu um grande debate sobre essas questões todas. Eu tinha uma escassa maioria, os partidos eram representados por várias facções: UDN, PSD, PTB, PSP – todas as siglas compunham a Câmara. Então, a própria natureza destes trabalhos, a transmissão dos debates ao vivo pelo rádio, os projetos remetidos, tudo isso passou a interessar a população. E ao mesmo tempo os adversários do prefeito passaram a explorar essa reforma que se pretendia fazer – a parte fiscal – de maneira oportunista. fazendo uma luta muito difícil, muito difícil. Mas acabamos, apesar da defecção de alguns companheiros, aprovando o grosso das reformas que precisávamos aprovar .

P- Esse processo levou quanto tempo?

W- Levou mais de anos de luta para se organizar isso tudo. Na verdade preparamos a prefeitura para a administração seguinte. Alguém tinha que fazer isso. Foi um trabalho de base. Trabalho de dotar a velha municipalidade, escassa de legislação e de funcionários, de tudo que ela realmente necessitava para dar o primeiro impulso pra frente. Fizemos o primeiro concurso, aprovamos os primeiros funcionários por concurso na prefeitura e desde aquele tempo, até eu sair do governo, não me recordo de ter feito nenhuma demissão de funcionário público por perseguição política. Fui eu quem instituiu isso em Mato Grosso. Até então o clima era de arrasa. Quem entrava na prefeitura arrasava. No plano estadual e municipal. Companheiro era companheiro, adversário era adversário. Assim eram tratados. E essa política tinha sido esquecida até que sobreveio a administração do Zeca do PT. Ele está fazendo a mesma coisa. Adversário deve ser demitido, se é parente dos chefes ou de deputados adversários dele são demitidos, e ele contrata os parentes.        

P – De onde surgiu essa opinião, até certo ponto generalizada, até há alguns anos atrás, principalmente entre as pessoas mais antigas da cidade, de que o sr. era comunista ?

W- Isso nasceu junto com minha carreira política dado ao fato de eu privilegiar as causas populares e cresceu numa campanha de solicitação do frigorífico Frima, que, na ocasião em que eu era prefeito, queria um aumento do preço da carne. Na época eu achei que não teria que dar o aumento. Não dei. Houve um desatendimento com o empresariado e os pecuaristas. Isso adensou essa imagem.  Mas eu nunca tive ligações com o Partido Comunista. Nem na mocidade. Eu tinha simpatia pelas teses da esquerda. Agora, eu tinha relações pessoais com membros do PCB, era cliente do Dr. Alberto Neder, que era comunista. E também era amigo de fazendeiros que eram anticomunistas.

P- A ligação com as esquerdas na política local se dava até que ponto nas articulações que o sr. fazia?

W- Vamos dizer que elas nasceram na remessa de projetos à Câmara, quando eu era prefeito, e prosseguia no apoio em duas ou três eleições para que eu granjeasse a maioria do eleitorado. Apenas isso. Não existia nenhum outro compromisso. Nunca houve. Nunca tive ligações profundas com o partido comunista.

P- Essa imagem de esquerdista o atrapalhou em algum momento de sua carreira política?

W- Isso me levou à cassação de mandato. Não terá sido apenas isso: o que me levou à cassação foi a coerência com que eu sempre me conduzi na vida pública, na votação dos projetos, na condenação dos propósitos da ditadura militar de se eternizar no poder, de massacrar a democracia no País, a liberdade...

P- Depois que o sr. terminou o seu mandato na prefeitura foi candidato a deputado federal...

W- ...fui o mais votado no estado...

P- ...em que ano? Foi pela UDN ?

W- ... sendo combatido pela UDN a ponto de ter ganho a convenção com maioria escassa...

P-... tudo por causa dessa vinculação com a esquerda?

W- ...Sim, por causa da pecha de comunista ...

P-...mas esse era o único problema ou havia outras questões?

W- Havia outras questões...Bem. mas outras questões se resumiam nestas...eram pretextos.

P- Eram questões pessoais?

W- Havia divergências de métodos administrativos. Eu era mais rigoroso no trato com a coisa pública. 

P- E as eleições foram tranqüilas?.

W- Sim , fui bem aceito pela população...

P- A máquina do partido funcionou...

W- Não, só foi tranqüila na votação, meu palanque estava separado daquele que era o do partido. Eu não tinha o palanque do partido. Fiz a campanha distanciada. Fiz basicamente uma campanha de corpo-a-corpo. Fiz a campanha no sul, fiz a campanha em Cuiabá, dei uma volta pelo leste(...).O grosso dos meus votos veio da região de Campo Grande. Mas fui bem votado nos bairros pobres de Cuiabá. Sem ajuda, sem esparramar dinheiro...Minhas campanhas sempre foram muito modestas. 

P- O sr. tinha claro que, passada essa etapa pela Câmara Federal, o próximo passo era ser Governador de Mato Grosso?

W- Meu nome era cogitado para ser governador já quando fui pela primeira vez candidato a deputado. Mas eu tinha consciência de que havia dificuldades. Tanto que na ocasião em que se reuniu o partido para a escolha do candidato a governador para substituir o Dr. Fernando (Correia da Costa) eu declinei do direito de disputar a governança. Preferi continuar como candidato a Deputado Federal. E havia vários segmentos que queriam minha candidatura ao governo. Eu fui duas vezes Deputado Federal, eleito a primeira vez pela UDN, e na segunda fui eleito pelo MDB, porque, tendo havido a revolução, tendo sido extinto os partidos, criou-se a ARENA e o MDB. E todos os políticos do estado, da UDN, foram para a ARENA. Menos o do Sul. Fiquei sozinho no MDB.

P- Quando lhe foi colocada a possibilidade de ser candidato a governador e o sr. declinou qual foi a principal razão dessa decisão?

W- Eu achava que seria uma eleição muito difícil. Eu não tinha feito articulações para ser governador. Não contava com recursos para uma campanha desse vulto e me sentia sem equipe política para travar uma luta desse porte. Então, coube a mim mesmo a tarefa de negar(...), proferi um discurso na convenção dizendo que não seria candidato a governador...

P- Mas o sr.  já projetava uma futura candidatura?

W- Eu não projetava nenhuma candidatura, apenas sentia que, naquele instante, não tinha condições. Mas o moço espera tudo do futuro. Eu me sentia bafejado pela candidatura. Tinha estima da opinião pública e tinha a sua confiança. Tinha como prefeito, sai como o mais votado do estado como Deputado, tive 25 mil votos, e, nessas condições, era um político de futuro.

P- Acompanhando sua trajetória, notamos que o sr. sempre faz bons cálculos de campanha, o risco sempre foi muito pequeno de derrota, não é?

W-É verdade. Inclusive na última eleição para Governador do estado entrei numa campanha em que chegava nos municípios e nem precisava pedir voto. Vinham me oferecer os votos. Porque se lembravam de meu governo passado, que tinha sido sério e realizador. 

P- Vou voltar a uma questão já abordada: quando o sr. olha pra trás, quando foi prefeito de Campo Grande , como analisa a sua administração vendo Campo grande hoje?

W- Não tenho dúvida de que foi uma bela administração. Campo Grande recebeu na hora exata as ferramentas de que necessitava para crescer. E para crescer de uma maneira ordenada. Fomos considerados uma das melhores administrações do Brasil. Eu não apenas organizei a prefeitura de Campo Grande internamente, fiz todo esse trabalho da legislação, os códigos de serviço de material e de pessoal, tudo isso, mas realizei uma administração de bom porte na realização de obras. Na área de educação fiz várias escolas, melhorei a situação dos funcionários municipais, pavimentei a Afonso Pena, introduzindo no bairro do Amambaí as duas primeira pistas desse asfalto, asfaltei desde o córrego até lá em cima na chefia militar. Pavimentei a Rua 26 de agosto, que era uma rua abandonada da cidade, onde os postes de iluminação pública ficavam espalhados, onde passavam as boiadas, que retirei da cidade. Fiz um trabalho muito bom de urbanização das praças, urbanizei a praça em frente ao Rádio Clube, onde ficava a cúria metropolitana com negociações  com o bispo Dom Antônio Barbosa, figura inolvidável na vida de Campo Grande. Foi um período bom o da minha administração em Campo Grande. Foi pra mim e foi para a população. E também foi um período muito bom na minha vida.