Pages

Alexsandro Nogueira: Contra Saramago e suas causas perdidas

As minhas melhores expectativas a respeito de um livro caem por terra quando percebo a tentativa do escritor em me converter em algo. Essa pretensão é comum nos livros do português José Saramago. O autor lusitano tinha uma devoção fanática à ideia de que o mundo só será um lugar melhor quando as pessoas abolirem a religião ou passarem a questionar a existência de Deus e a relevância do Cristianismo como modelo de regras e costumes da sociedade moderna.

Saramago passou boa parte da vida enfadado e pregando a ideia do escárnio, da arrogância e dos caprichos do Criador para com as criaturas. Um homem com uma ideia fixa na cabeça, a de que estava no mundo cumprindo um papel importante, como um farol a iluminar a humanidade a respeito das ciladas divinas.

Um pensamento profundamente religioso. E Saramago foi, por ironia do destino, a criatura mais religiosa da literatura contemporânea. Explico: não somos religiosos apenas porque cremos em Deus. Somos devotos da fé até quando O detestamos: o nosso ódio fiel, é também uma forma de afirmação.

Tal qual Saramago, o biólogo e escritor Richard Dawkins é outro militante do ateísmo que detesta a possibilidade de um Deus justo, amoroso e faz comparações absurdas entre o Criador e a crença em ídolos pagãos como o nórdico Thor ou o grego Zeus.

A visão de Dawkins deixa claro que o cenário para a religião monoteísta não é animador. E dá pistas porque o materialismo vulgar e o secularismo moderno triunfam sobre as tradições bíblicas. A teologia fala uma linguagem que o "espírito do tempo" não entende -ou, pior, ridiculariza e despreza. 

Além disso, a juventude tem uma visão simplista do Criador, sem compromisso e seriedade. Porque a única fé que existe é um relativismo em que nada tem valor, exceto a satisfação imediata de desejos individuais. O mundo é um lugar estranho para a prática da fé.

Mas fica aquela pergunta emblemática: como explicar Deus? A resposta é particular, mas comigo, a fé em Deus veio do reconhecimento da minha incapacidade (por muito que eu lesse e estudasse) para compreender o que se passava ao meu redor. 

Do "quem sou eu para saber?" veio a consciência de um Deus que sabe. A fé é uma desistência da soberba, de domínio, da arrogância. É um ato de humildade que alivia (do esforço de compreender e saber de tudo) e que liberta, porque nos deixa ficar nesta vida e neste mundo, mais ou menos contentes com o que temos.

Jornalista e escritor . E-mail: artigotexto@gmail.com