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Eleições diretas na terra em transe: caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento


Eleições diretas-já é um slogan tentador. Quem resiste a uma proposta que aparentemente zera o jogo, coloca ordem nas coisas e estabelece um critério de recomeço?. Qualquer cidadão que acompanha a bagunça nacional imagina que realizar de imediato uma eleição para presidente da República, para um mandato tampão, garante uma espécie de reorganização mental e indica que existe no fim da linha uma nesga de luz no horizonte. 

Vários especialistas têm publicado e comentado que diretas-já embute uma espécie de populismo no ingrediente indigesto da realidade nacional. O custo financeiro do processo é elevado, o tempo do exercício do cargo do eleito será curtíssimo e a probabilidade do mafuá continuar é grande. 

Essas obviedades do mundo real não interessa a quem precisa se agarrar a uma tábua solitária no meio de um oceano revolto para se salvar. Qualquer maluquice serve. Mesmo que seja para que se tenha uma distração ou algo para defender quando está difícil sair em defesa de qualquer outra coisa. 

Por exemplo: tem gente acreditando que intervenção militar é uma coisa bacana, tamanha a ânsia que o atual quadro político acaba gerando nas mentes mais persecutórias do pedaço. O perigo do fascismo é sempre algo que devemos considerar nessa difícil equação em torno de soluções fáceis, cirúrgicas e rápidas.

Defendo qualquer ideia desde que ela não seja populista, autoritária ou surrealista. Não sou daqueles que defende qualquer maluquice só porque "muita gente" está pedindo. As massas geralmente são ignorantes e não medem consequências quando se trata de agir por impulso. 

Quando, na década de 80, entrei de cabeça pela campanha homônima pela aprovação da emenda Dante de Oliveira, sabia de antemão que ela não seria aprovada; mas sabíamos (as cúpulas partidárias e a imprensa) que tudo era uma tática política de médio prazo para fazer a extrema unção do regime militar. 

Sem aquela ideia-força é provável que o ideário do golpe de 64 durasse mais uns 10 anos, mesmo exaurido pelas sucessivas crises da ocasião. 

A campanha das diretas-já do atual momento ocorre dentro de um regime democrático, com um governo nos estertores, com a lama no pescoço dos poderes e uma base parlamentar fragmentada (mas que fechou por enquanto questão em torno da rejeição dessa proposta pelas razões mais variadas). 

Tudo pode ser possível quando depende da vontade dos homens, mas o tempo de Governo é tão exíguo, sem contar que há saídas constitucionais para a emergência do problema, que sinto que o caminho de transitoriedade, com eleições indiretas e a escolha de alguém que possa atravessar a pinguela, contem um componente de racionalidade irresistível. 

Mas política não é razão. É acima de tudo paixão. Quem resiste ao chamado das ruas, principalmente quando oportunistas e sacripantas se unem para nos levar às lágrimas com apelos de soluções fáceis nesse mundo louco de fantasias, ao som de Alegria, Alegria de Caetano Veloso?

No fim, tudo é tática e estratégia. Não existe coisa mais linda do que saber que estamos caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento. 

Só que tudo termina ali na esquina, nas dobras do tempo, nas conveniências do Poder e na força das instituições.

Vai vendo...