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Percepção da crise


Vou contar uma história que vivi meses atrás. Foi quando percebi com inaudível clareza que estávamos passando pela pior crise econômica de nossa história. Uma coisa é acompanhar a situação pelos números e estatísticas dos órgãos de economia, outra é ver nas ruas o crescimento da miséria, violência, concomitantemente ao aumento das placas de “alugo” e “vendo” espalhadas pela cidade. 

Visualmente, a crise é horrorosa. Ser dado a saber pela imprensa que existem 13 milhões de desempregados no Brasil é uma coisa, ver no seu entorno gente desesperada por falta de trabalho e dinheiro é outra. 

Ser informado sobre os valores de inadimplência é uma coisa, receber cartas de cobrança e assistir ao aumento do número de pessoas negativadas choramingando pelos cantos é outra. 

Juntando tudo isso, denúncias e mais denúncias de corrupção, propinas confessadas aos bilhões, tudo dito com sorrisinhos nos lábios, deboche e desculpas esfarrapadas, deixa qualquer ser humano tomado de uma raiva revolucionária incontrolável, buscando respostas fundamentalistas em algum lugar no espaço de sua indignação. 

Bem... viajei um pouco na maionese. Voltando ao começo: a história que me marcou tempos atrás aconteceu dentro de um supermercado da cidade. Estava fazendo compras de itens básicos para preparar um lanche em casa, logo no finalzinho da tarde. 

Entrei na fila do caixa e, de repente, vi a aproximação de uma senhora de uns 70 anos, bem vestida, com lencinho colorido no pescoço, muito alva, que cheguei até pensar que fosse uma turista estrangeira, talvez francesa ou alemã, sei lá. 

Ela veio de maneira segura, ereta, sem sorrir, sem se apiedar, com voz firme, porém, suave e me perguntou se ela poderia acrescentar à minha cesta algumas comprinhas que havia feito: um  frango congelado, uma dúzia de ovos, um suco de caju e duas maçãs. 

Não tive tempo de pensar numa resposta e assenti, de modo que ninguém percebesse que a familiaridade entre nós era inexistente. No momento em que estava passando as compras, ela voltou a perguntar: “posso acrescentar uma barra de chocolate?”, sem que houvesse chance de refletir, ela passou pelo caixa. 

Corri as compras, passei o cartão, ela agradeceu com um breve sorriso,  saiu com as sacolinha na mão, plácida, com passos suaves, olhando pra frente, dado por encerrado o dia vivido com intensidade, como estivesse pensando que o melhor lugar do mundo era ali e agora.