Pages

O que aprendi com o debate sobre o Uber


Não riam, por favor, mas nunca usei Uber. Faz uns dois anos que não ando de táxi. Criei um sistema de vida espartano. Minhas andanças pela cidade sempre são próximas do lugar onde moro. Minha mobilidade dificilmente ultrapassa um raio de um quilômetro do centro. Uso carro próprio ou ando a pé. 

Sou recluso. Tenho viajado muito com meus livros e assistindo o canal Netflix.

Entrei nesse debate sobre a regulamentação dos aplicativos de carona remunerada por conta de minha atividade profissional na assessoria do prefeito Marquinhos Trad. 

Em três dias pesquisando, conversando e ouvindo o cacarejar das redes sociais aprendi muita coisa. 

Descobri que a maioria das diaristas que trabalham no meu condomínio usam Uber. Mais: a chamada "uberização" é fenômeno que perpassa classes sociais porque o Brasil, na era PT, ultrapassou os limites da intervenção do Estado na economia, gerando um sentimento de nojo contra qualquer tentativa de regulação de atividades econômicas que fogem ao controle por causa da inovação tecnológica.

Entrei nessa viagem como um navegador do século XV pelos novos mundos inexplorados

No primeiro momento, não gostei da emissão do decreto da prefeitura; achei que seria mais apropriado um projeto de lei, com ampla discussão na Câmara Municipal. 

Mas lendo sobre o que aconteceu em outras Capitais percebi que os vereadores sofrem muita pressão dos lobies e protelam a decisão da regulamentação para as calendas. 

Em São Paulo, o ex-prefeito Haddad fez várias tentativas para aprovar a legalização dos aplicativos e, depois, vendo inúmeros conflitos nas ruas entre taxistas, usuários e Uberistas, decidiu baixar um decreto. Deu certo. Mas a tarifa dos aplicativos elevou-se um pouquinho, coisa de R$ 1,00 por corrida. 

Em Campo Grande há outra realidade estabelecida. O mercado de moto-táxi, táxi e aplicativos envolve cerca de 25 mil pessoas. O transporte coletivo, só para efeito de comparação, envolve cerca de 300 mil usuários. 

Muitos números desse sistema não são precisos. Tem muito chutômetro. Mas o fato é que se moto-táxi, táxi e aplicativos ficarem mais baratos o número de usuários, por exemplo, poderá chegar a coisa de 50 mil. 

Pelos cálculos que fiz será algo de 200 mil viagens por dia. Faz girar uma graninha razoável.

É o que os entendidos imaginam. 

Se esse artigo estiver errado cartas à redação, por favor.

Quando o prefeito exarou o decreto na sexta-feira passada criou-se uma polêmica: aqueles que concordam com algum tipo de regulamentação foi colocado no campo do "contra o Uber"; e aqueles que não desejam regulamentação nenhuma ficou como "a favor". 

Uma divisão equivocada. Mas ninguém pode fazer nada contra oportunistas que aparecem nesses momentos querendo tirar suas lasquinhas com proselitismo de quinta.

A questão tornou-se política, criando-se uma onda na rede contendo muita histeria e situações caricatas.

Gente que nunca usou Uber passou a defendê-lo por achar isso chic, fazendo pose de pessoa engajada,  de gente inteligentinha, alternativos de boutique. 

Parcela da esquerda - que nunca aceitou o mercadismo e a livre-iniciativa - engrossou a tropa de choque dos neo-liberais.

A direita insistiu na tese anti-regulação com um furor ideológico jamais visto, como se o Brasil não fosse um País tradicionalmente cartorial.

 Na verdade, a regulação, no caso, era uma tentativa de legalização de uma atividade para que  possa contribuir com erário, já que usa a estrutura urbana da cidade como seu mercado de trabalho. 

Centenas de países, inclusive nos Estados Unidos, estão fazendo o mesmo. Esse é o mundo. Ele não muda tão rápido quanto queremos nem da forma que sonhamos.

No meio do tiroteio descobri que existem vários aplicativos em Campo Grande, vários deles com  preços mais baratos que o Uber. 

Concorrentes do setor dentro da concorrência de um mercado escasso. 

Dá pra antever que os moto-táxis dentro em breve vão para o espaço e os cartéis de táxi terão que rever seus costumes, apesar do poder político que adquiriram nas últimas décadas.

Ou seja: o decreto criou uma nova realidade que, para o bem ou para o mal, terá que ser resolvida nos próximos meses. De meu ângulo de visão os usuários vão ganhar com o debate. 

Outro ponto interessante: os recursos arrecadados com os aplicativos numa faixa entre 25 a 28% são transferidos on line para os Estados Unidos, e uma outra parte vão para Minas Gerais porque 40% da frota dos aplicativos são de carros alugados com placa de Belo Horizonte. 

A economia local é pouco beneficiada, apesar de atender a necessidade da população. Essa é a polêmica de fundo.

O que fica para os motoristas locais é pouco, mas ajuda a reforçar a renda de muita gente. 

Apropriado ou inapropriado, o decreto da prefeitura levantou o véu diáfano de uma realidade clandestina que precisava ser discutida à luz do sol. 

Estou convencido de que nos próximos seis meses, quando esse debate for menos emocional, a sociedade vai perceber que a regulamentação foi benéfica não pelo conteúdo que propôs mas pela discussão que suscitou. 

Alguém questiona sobre as vantagens de tirar um tema das sombras e discutir tudo às claras?