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Alexsandro Nogueira: fé, coragem e submissão


71 anos após o fim da Segunda Guerra, o assunto ainda gera perplexidade. São centenas de livros, vídeos e debates decifrando os horrores daquele conflito global. De temas conspiratórios a crises diplomáticas, não é fácil compreender um dos períodos mais sombrios da história humana, sem questionar um assunto emblemático: o ser humano atingiu a plenitude do ódio.

A frase acima é uma paradoxo da ideia original expressa por Mahatma Gandhi. Na lógica do ativista indiano, “se um único homem conquistar a plenitude do amor, neutralizará o ódio de milhões”. Em outras palavras, só o amor em estado pleno funcionaria como um antídoto eficaz para neutralizar as tensões sociais permanentes.

A tese surrealista de Gandhi ganhou a simpatia dos pacifistas, mas não foi capaz de conter o sentimento de repulsa entre as nações. A vida seguiu seu curso e encontrou homens dispostos a mandarem o mundo para o inferno. Era 1939, a Alemanha nazista invade a vizinha Polônia e o resto é história.

As razões para as atrocidades tem inúmeras explicações. A mais convincente está expressa na polêmica obra “Banalidade do Mal”, de Hannah Arendt. Na opinião da escritora, os soldados não eram monstros sanguinários, apenas burocratas que cumpriam seus deveres com zelo e eficiência para proteger suas nações e ganhar prestígio dentro dos quartéis. Simples assim, sem questionar ordens ou apelar para a consciência.

Durante a Segunda Guerra, a luta entre amor e ódio foi desigual, mas encontrou em um soldado americano um importante aliado. Desmond Doss, o recruta Adventista que atravessou um front no Japão desarmado é a narrativa paralela do ator e cineasta Mel Gibson para falar de bondade, fé e convicção religiosa sem apelar para  chavões e ingenuidade.

Em uma era onde predominam intolerância religiosa e preconceito contra cristãos, qualquer diretor cult usaria a biografia de Doss para ridicularizá-lo perante a uma sociedade cada vez mais materialista e distante de dogmas religiosos.

Mas Gibson foi diferente. O diretor equaciona as cenas de escárnio dos colegas -  durante o período de treinamento - com o apogeu do fervoroso soldado, que aparece em cenas gloriosas, salvando sozinho boa parte de sua tropa.

Entre tanta coisa lastimável nos cinemas “Até o Último Homem (Hacksaw Ridge)”,  é o percurso de regresso de Mel Gibson ao Oscar (concorreu em seis categorias, mas não levou nenhuma estatueta para casa). Há dez anos o diretor não aparecia de forma positiva na mídia, depois de sucumbir a doses etílicas, apelar para a violência conjugal e criar polêmica sobre antissemitismo.

No resta saber se o julgamento público sobre suas transgressões arrefeceu. Mas uma coisa é certa: levar a história de Desmond Doss para as telas merece perdão.

* Jornalista/MS