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Paulo Cabral: IncongruĂȘncia


Artigo publicado originalmente no jornal Correio do Estado:

Um ponto forte da propaganda peessedebista, desde Fernando Henrique Cardoso, Ă© a ĂȘnfase dada Ă  eficiĂȘncia da gestĂŁo; bordĂŁo largamente utilizado por Alckmin e SerĂĄ que nĂŁo hĂĄ  outras necessidades onde investir esse dinheiro? peça essencial na construção da candidatura de JoĂŁo DĂłria Ă  prefeitura paulistana, nas Ășltimas eleiçÔes, vitoriosa jĂĄ no primeiro turno.

Em Mato Grosso do Sul, o PSDB de Reinaldo Azambuja tambĂ©m  utiliza essa imagem de austeridade no trato da coisa pĂșblica combinada com a competĂȘncia na gestĂŁo, de modo a alcançar eficiĂȘncia para realizar uma administração que satisfaça a expectativa dos cidadĂŁos e eleitores. A elaboração dessa abordagem polĂ­tica  remete Ă  modernidade, caracterĂ­stica valorada com uma carga positiva muito grande, devido a inĂșmeros fatores presentes na cultura urbano-industrial. Por isso, em geral, todos aceitam de bom grado tudo aquilo que esteja associado ao novo, ao moderno, seja relativamente a produtos, seja em referĂȘncia a ideias ou comportamentos.

Assim, os paradigmas da moderna administração recomendam para quaisquer organizaçÔes que se proceda a um adequado levantamento de informaçÔes sobre seu universo, a fim de subsidiar o diagnĂłstico da realidade. Esse quesito Ă© decisivo para um planejamento pertinente, que tem na definição de prioridades, objetivos e metas um de seus componentes mais importantes, tudo guarnecido por um cronograma no qual sejam previstas as etapas a serem cumpridas, as tarefas a serem realizadas, bem como a relação dos insumos necessĂĄrios e respectivo orçamento. 

Com esse aparato em mĂŁos, o gestor poderĂĄ, dentre outras coisas, estabelecer os resultados esperados de cada uma das etapas realizadas,  de cada atividade implementada, da performance de cada agente envolvido no processo, ou seja, a produtividade nĂŁo mais serĂĄ mensurada com os elementos formais tradicionalmente controlados no passado, mas sim em função das metas atingidas, dos produtos obtidos, dos resultados apresentados.

Essa visĂŁo aplica-se tanto aos negĂłcios tĂ­picos da iniciativa privada, como Ă© o caso de inĂșmeras empresas hĂĄ muito alinhadas com essas proposiçÔes, quanto para a administração pĂșblica, haja vista a iniciativa do Tribunal de Justiça de SĂŁo Paulo que instituiu o “home office”, liberando quadros do comparecimento ao local de trabalho, e cobrando a produção dos mesmos; com ela, o TJSP experimentou uma elevação de sua produtividade, confirmando o acerto da decisĂŁo.

E por aqui, na contramĂŁo de tudo isso, o Governo pretende firmar contrato para alugar 600 mĂĄquinas, ao custo estimado  de R$ 3, 2 milhĂ”es/ano, para o controle de frequĂȘncia de servidores, em locais onde trabalhem mais de 30 pessoas, como se essa contagem de horas/bunda/cadeira garantisse qualquer produtividade.  Alegam que essa medida poderĂĄ gerar uma economia de R$ 8,5 a 12 milhĂ”es/ano, com o desconto de faltas injustificadas, hoje pagas ao servidor.

Aparentemente, o governo “economizaria” algo entre R$ 5 a 9 milhĂ”es/ano. Pergunta-se: como encontraram esse nĂșmero mĂĄgico?  A relação benefĂ­cio/custo  Ă© plausĂ­vel? NĂŁo hĂĄ  outras necessidades onde investir esse dinheiro? Se as chefias sabem de faltas injustificadas, por que nĂŁo as informam para o devido desconto? NĂŁo seria mais coerente exigir que as chefias, detentoras de cargo de confiança, exerçam sua autoridade e sejam leais a quem as nomeou, o Governador?

Subjacente Ă  decisĂŁo de se instituir ponto eletrĂŽnico e Ă  respectiva notĂ­cia resta a demonização dos servidores pĂșblicos, como se fossem eles os responsĂĄveis pela ruĂ­na do estado. Todos sabem que a causa da situação falimentar de muitas unidades da federação e prefeituras Ă© a corrupção e nĂŁo a folha de pagamento. Tudo isso Ă©, no mĂ­nimo, incongruente, um discurso que aponta para o sĂ©culo XXI e uma prĂĄtica que retrocede ao XIX.

* SociĂłlogo e Professor.