Pages

Mundo paralelo


Vejo que ainda existem pessoas que não compreenderam com clareza o mundo em que estamos vivendo. Sempre digo que parte da sociedade não codificou perfeitamente a ideia de que a vida privada está se esboroando. 

O espaço público tomou conta do cenário. Milhares de pessoas se expõem voluntariamente nas redes sociais e outras tantas correm o risco de ver sua vida pessoal correndo por todos os cantos por causa de algum ato impensado naqueles famosos cinco minutos de bobeira. 

Quem não gosta do rumo que as coisas estão tomando sugiro que penetre o bosque profundo, longe de qualquer resquício civilizatório e viva feliz para sempre. Caso contrário, fique atento. Se você for um sujeito famoso, pior ainda, mantenha-se sob vigília até mesmo para ir ao banheiro. 

Não vou citar os casos antigos e recentes de quem foi vítima de exposição pública viralizada, por ações criminosas de hackers ou não, mas digo que as pessoas não devem se surpreender quando flagradas de maneira imprópria, ou ainda, quando se expõe por conta e risco num frenesi maluco de pura ostentação. 

Como observador contumaz da raça humana, tenho acompanhado amigos e amigas pisando na bola, expondo a si mesmo (a) à execração pública, sem nenhum cuidado em manter a discrição necessária sobre a intimidade de sua vidinha torpe, acreditando ingenuamente que o nosso mundo é feito de “amigos”. 

Claro, todos tem a liberdade de dar visibilidade (arght!) à sua própria toalete, mas não vale reclamar depois que teve a intimidade devassada por psicopatas de todas as ordens e seitas. 

Muita gente ainda não conseguiu compreender a extensão desse processo, apesar das centenas de estudos e análises que estão sendo publicadas sobre o tema. Elas parecem habitar uma outra esfera existencial, inocentes como cordeirinhos seguindo para a toca do lobo. 

Viver é muito perigoso, escreveu Guimarães Rosa. Garantir certos padrões de privacidade devia fazer parte do manual moderno de sobrevivência. Na verdade, a sabedoria é saber controlar o espaço público e privado de modo que você possa ampliar o campo de ação pessoal nos processos de exposição coletiva. 

Não é fácil porque isso gera uma tensão permanente no jeito que nos relacionamos, mas a única maneira de evitar isso é desplugando temporária ou indefinidamente, esquecendo que existe a palavra internet

Mesmo assim há o risco de ser invadido com a divulgação de fotos, imagens e conversas, involuntariamente, numa rua, aeroporto, escritório, bar ou restaurante, enfim, em qualquer lugar onde existam pessoas com aparelhinhos nas mãos. 

Recentemente, nosso imaginário social foi tomado pela ideia de que existem imagens de autoridades locais em atos impróprios, o que tem gerado comentários de que esse tem sido o verdadeiro fato gerador de mudanças políticas e econômicas na estrutura do atual governo do Estado. 

Trata-se, aparentemente, de um exagero. Mais um lance da pós-verdade. Se essas imagens existem ou não agora não importa mais. O fato é que elas se encontram no pior lugar onde poderiam estar: na imaginação das pessoas. Se for verdade, mentira ou boato, pouco importa. Elas ganharam materialidade e estão vivas. Essa é a realidade. O resto é o mundo paralelo que muita gente teima ainda em habitar.