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Carta do Espírito Santo


"S.O.S. Alguém está ouvindo? Alguém pode dizer que está recebendo meu sinal? Socorro! Faz três dias que não posso sair de casa. Resido em Vitória, Espírito Santo, rua dos Desesperados, número 77, apartamento 102. 

Ontem explodiram um transformador perto de minha casa e ficamos sem energia elétrica. 

Estamos sem TV, celular e internet. Não podemos sair às ruas. O tiroteio lá fora tá brabo. Um vizinho me contou que na segunda-feira mataram três aqui pertinho. Eles estavam tentando chegar a um supermercado pra comprar comida. Deu não.

Aqui em casa só temos uma latinha de ervilha e três ovos. Já falei pra patroa e pros meninos: tem que durar até o fim de semana! 

Ontem à noite acendi uma vela e fiquei dando uma olhadinha pela janela. Uma escuridão medonha. Rezei bastante. Bem longe dava pra ouvir uns tiros e uns gritos. Conversando com Sônia – minha mulher – pensamos em como deve ser melhor do que viver em Aleppo, mas tá difícil... 

Deve ser uma coisa parecida. A gente está vivendo 24 horas com medo. 

A que ponto chegamos! 

Se alguém receber essa carta pela pombinha branca, avise as autoridades que estamos esperando providências. Traga também algumas quentinhas. Sabemos que a crise tá braba, mas não precisa exagerar não é?

Não sei se o governador está certo ou errado em não conceder reajuste de salário para os policiais. Não sei se as famílias desses caras estão certas ou não fazendo esse teatro do absurdo. Não sei mais o que é certo ou errado. 

Só digo que a coisa tá f...

Eu e minha família só queremos sair vivos dessa situação. 

O pânico é tanto que nem fome sentimos mais. Estamos comendo duas ervilhas cada um por dia e nos preparando para o banquete com os ovos. 

Por enquanto podemos ir levando. Mas se isso durar mais 48 horas, não vai dar. Vamos ter que sair dispostos a matar ou morrer. 

É guerra!"