Pages

Mansour Karmouche: A voz constitucional do cidadão


A história das constituições brasileiras carrega em si o processo de transformação da nossa sociedade no tempo e no espaço. Cada uma delas, desde a Carta Luso-Brasileira de 1822, promulgada em períodos diversos, exibiu em seu escopo suas peculiaridades políticas, sociais e econômicas.

No fundo, as constituições são uma espécie de retrato do que somos e do que queremos.

Tivemos oito constituições. De diversas formas, elas espelharam a imagem que o País tinha de si mesmo, embora representasse uma visão das nossas elites. Nenhuma Carta é perfeita, mas todas tiveram flexibilidade suficiente para sobreviver ao longo do tempo, mesmo em períodos de crise.


Desde a monarquia, passando pela República, ingressando no pós-guerra, atravessando o período autoritário, as constituições expressaram modelos de pensamento em voga no Brasil e no mundo, numa clara correspondência com a ideologia dominante.

Mesmo em se tratando de doutrinas diversas, sempre se reclama que a nossas constituições, principalmente a de 1988, padecem das virtudes e dos defeitos inerentes à tradição nacional: excesso de detalhes, falta de regulamentação adequada e multiplicidade interpretativa.

Mesmo assim, a Carta vigente tem o grande mérito – talvez como nenhuma outra - de colocar o exercício da cidadania no primeiro plano, abrindo cada vez mais perspectivas de protagonismo da sociedade em relação aos poderes instituídos.

Nossa denominada “Constituição Cidadã” carrega as mudanças e contradições de nosso tempo. Não há dúvida de que ela colocou na ordem do dia o chamado “clamor das ruas”. Muitos não gostam. Mas essa é uma força que exerce um poder incontornável diante das circunstâncias históricas que vivemos.

Na verdade, a Carta de 88 encaixou-se como uma luva os chamados novos tempos, que, inegavelmente, vem potencializando de maneira inédita as tecnologias das comunicações e das redes sociais, permitindo a vocalização quase que instantânea do que ocorre com os sentimentos das ruas.

Nesse aspecto, estamos todos nós, advogados, magistrados, promotores e serventuários da justiça, vivendo uma fase de adaptação, tendo que, ao mesmo tempo, atender os aspectos técnicos dos devidos processos legais com as demandas imediatas de uma sociedade cada vez mais ativa e participante.

Claro que esses tempos líquidos, tão bem definidos pelo sociólogo Zygmunt Bauman, estimulam maneiras diferentes de se lidar com velhos problemas.

Atualmente, mesmo o cidadão leigo em direito, consegue acompanhar pela TV as sessões do Supremo Tribunal Federal, visto que a própria linguagem do judiciário está mudando, tornando mais acessível e direta, abandonando os antigos jargões do “jurisdiquês”.

Com isso, nasce a “voz constitucional do cidadão”, não com o propósito de provocar rupturas com o Estado Democrático de Direito, mas sim de fortalecê-lo, criando um ambiente de diálogo e tolerância, moldando os usos e costumes republicanos, enfim, transformando profundamente as bases culturais do País.

Certamente, muitos não concordam com a natureza desse processo. Às vezes somos obrigados a dar guarida para as vozes discordantes, visto que em toda transformação há pontualmente ultrapassagens de limites. Por isso sempre pedimos bom senso, prudência, convergência de propósitos, não como mera retórica e sim como atividade prática do dia a dia.

Os fatos invariavelmente nos dividem. As opiniões divergentes, muitas vezes pronunciadas com certa agressividade verbal, terminam gerando mais fumaça do que energia. Mas o regramento legal do País tem nos ajudado a fortalecer nossa nascente democracia. Por isso, sempre afirmo: a Ordem dos Advogados do Brasil é a Casa da Cidadania.

Nela, o advogado encontra respaldo, principalmente na defesa de suas prerrogativas. Com isso, conseqüentemente, a sociedade sente-se protegida dos arroubos autoritários que, volta e meia, insistem em nos manter presos ao passado, querendo impedir a marcha da modernidade. Por essa razão sempre digo: não passarão.

*Advogado e presidente da OAB/MS.