Discursos, poder e modernidade
Foi-me emprestado recentemente por amigo dileto um livro de discursos do Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, “A vida, o Direito e Algumas Ideias para o Brasil” (Editora Migalhas, 2016).
Achei que enfrentaria um texto chato, modorrento, arrastado. Respirei fundo.
Mas – grata surpresa! - terminei lendo num tapa. Pude conhecer um pouco do que vai pela alma de um homem que sempre achei arrogante e pernóstico.
Saí da obra com uma imagem diferente do Ministro.
Barroso é um humanista que passou por várias fases de entendimento do mundo, conforme fica demonstrado em seus discursos, quase todos cumprindo o papel de paraninfo de turmas de formandos em algumas faculdades de direito pelo Brasil afora.
Identifiquei três momentos de Barroso: o lírico (pré-STF), em que ele discorre sobre as agruras do País, citando poetas, compositores famosos da MPB, filósofos iluministas, com textos de ideias longas, elípticas e repletos de críticas moderadas ao modelo político; o místico, no qual profere pronunciamentos de auto-ajuda, numa variação do conceito socrático do “conhece-te a ti mesmo”; e o realista (pós-STF), com textos bem argumentados sobre reformas institucionais (sobretudo a política), no qual ele explica com extremo didatismo o cerne de suas propostas.
Essa é a melhor parte do livro.
Penso que, na maioria dos casos, esses discursos são mais para serem lidos do que ditos. Nas mãos de um bom narrador de texto, pode ser que tenha funcionado; mas ditos por um sujeito com voz anasalada, com olhos sonolentos e semblante aristocrático, acredito que a platéia tenha bocejado e pedido para sair.
Dou esse exemplo porque nos últimos 15 anos tenho produzido discursos, palestras e apresentações para terceiros (um trabalho estressante, concentrado e pouco lucrativo) e tenho notado que, de certa maneira, cada vez mais, o uso da linguagem e da estrutura narrativa desses textos estão modificando vis a vis ao transcurso da história e do momento político em que vivemos
Lembro-me que nos anos 90 havia a moda das citações. Em qualquer discurso a gente tinha que meter dois ou três nomes famosos no meio, fazendo um necessário entre aspas para encantar as pessoas.
Depois, entramos na fase dos filósofos. Qualquer pronunciamento adquiria consistência devida citando Aristóteles, Kant ou (raramente) Marx e Nietzsche.
Citações bíblicas sempre foram úteis porque cria empatia com o público, sempre de maioria cristã. Sempre é recomendável.
Até recentemente, os textos eram produzidos com preocupações nítidas de difusão de ideias inspiradoras, com frases longas, às vezes tortuosas e ininteligíveis.
Nos últimos anos a coisa vem mudando.
Com os meios modernos, redes sociais, facebook, Twitter, WhatsApp, os discursos começam a acompanhar a tendência dos textos curtos e impactantes.
O sujeito que fingir que é o William Bonner no jornal Nacional, usando uma sintaxe na ordem direta, com boas frases de efeito (na maioria dos casos conceitos em bloco, bem amarrados, como se fossem tijolos soltos no ar).
Importante: o bom pronunciamento não pode durar mais do que 15 minutos. Vinte minutos já é uma eternidade. Quem se dispõe a escrever os novos textos deve se preparar para ter sofrimentos adicionais, pois trata-se de um exercício terrível de prisão de ventre.
Só ditadores como Fidel podiam falar durante 7 horas sem que a platéia se mexesse. As razões eram óbvias.
O discurso de posse de Trump é um exemplo acabado desse novo momento discursivo. O modelo seguido é o que os americanos chamam de “sound bites” (mordidas compactas e sonoras).
Cada frase deve se parecer letras de músicas batidas, sincopadas, sendo até recomendável algum errinho de gramática para que a coisa pareça “popular”.
Novos tempos, novas palavras, novos discursos.
Vivam com esse barulho.