Toda a vez que o sistema penitenciário brasileiro entra em convulsão os governos sempre fazem a mesma proposta: construir novas penitenciárias. Além de ser uma coisa cara e demorada, a medida é inócua. A demanda prisional tem uma escala progressiva de movimento de entrada superior ao de saída, fazendo assim que jamais o problema do espaço físico seja solucionado.
Portanto, só a burrice nacional explica as razões pelas quais julgam que a decisão correta para a questão prisional é construir celas aos montes para manter gente presa pelo maior tempo possível. De vez em quando, a panela de pressão explode e facções que controlam o mercado da desgraça matam-se para o assombro dos purinhos que não sabem o que, de fato, ocorre nesse mundo.
Na verdade, a palavra certa para esse negócio seria “malandragem pública e privada”, mas nesse momento dramático pelo qual as masmorras brasileiras estão atravessando – com atenção episódica da mídia - é melhor ter um pouco de cautela. Tem muita gente sensível na área.
Na hora em que terminar o recesso parlamentar, o assunto certamente saírá de pauta.
Por enquanto, fiquemos no tema da moda.
A nossa legislação penal para punir criminosos – principalmente aqueles que praticam crimes banais como o de ser mula do tráfico (mulheres, em sua maioria), ladrões de galinha e de varais, jovens revoltados e sem perspectiva que cometem crimes de pequena monta – gosta de trancafiar, trancafiar, trancafiar.
Uma vez dentro da cadeia, como diz o médico Dráuzio Varela, a curva da vida se modifica.
A voracidade punitiva alimenta um sistema complexo. Sustenta os orçamentos das polícias, das penitenciárias e de parte do judiciário. Quanto mais presos houver, mais dinheiro será preciso para sustentar essa cloaca.
Quanto mais gente presa, mais obras para penitenciárias; com isso, mais corrupção, mais privilégios; enfim, mais poder para o aparato político-punitivo.
Como muita gente de bom senso já percebeu, seria muito mais racional, econômico e menos desgastante para a sociedade se houvesse aposta numa política de reversão gradual do caráter meramente punitivo da lei (coisa do século XIX) para outro, mais corretivo e educativo.
Daria certo? Não sei. Mas acho que seria melhor do que essa coisa nojenta que estamos vendo
Enquanto vigorar o conceito de custo per capita de cada preso para a elaboração de orçamento, além da criação de fundos específicos para o setor de segurança pública, podemos perder a esperança de que um dia a questão da violência brasileira tome outro rumo.
Temos uma das maiores populações carcerárias do planeta. Quase 1/3 dos detentos tem suas penas já cumpridas, embora continuem presos; outra parte, que devia estar em regime semi-aberto ou aberto, permanece onde está, em celas fétidas, diminutas e superlotadas, sem advogado ou defensor público; outra, que devia estar em prisão domiciliar ou cumprindo penas alternativas, vive a mesma situação; ou seja, bastaria apenas seguir a legislação vigente para que só ficassem presos aqueles que cometeram as barbaridades e atrocidades conhecidas.
Mas quem entra no sistema é engolido por ele e só sai quando há advogados dedicados, bem pagos ou mobilizados pela família ou mídia.
Além disso, há outra realidade que a maioria da sociedade ignora: trata-se da estrutura de controle sobre o que pode e o que não pode entrar nas prisões, ou seja, celulares, armas, drogas, bebidas etc.
Essa é apenas uma dificuldade aparente. Tudo entra na prisão. Mas como? Fácil: a carceragem ganha mal e é facilmente corrompida ou ameaçada.
Quem tem familiares na cadeia sabe que há controle nas visitas, aparelhos, detectores de metal, revistas etc. Mas dinheiro vivo pode entrar à vontade, inclusive com conhecimento de vigilância oficial.
Esse “dízimo” ofertado semanalmente pelas milhares famílias pobres que tem seus filhos, irmãos, maridos etc nas cadeias sustenta o crime organizado e todo o sistema carcerário.
Esse é um negócio que movimenta milhões. Por isso, a lógica da superlotação faz a roda girar e conta com o beneplácito da justiça penal, da carceragem penitenciária, das polícias, enfim, daquilo que chamamos “sistema de segurança”.
Essa é a podridão que deve ser debatida. Mas a sociedade parece concordar com ela, acreditando que bandido bom é bandido morto.