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Renato Janine: Por que PSDB e PT fracassaram


Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo:

Pensei inicialmente em propor neste artigo um balanço de 2016, ano de que saímos pior do que entramos: aumentou a crise política e só alguns acreditam que a econômica está mais equacionada.

Mas me decidi por um tema específico, porém central, para nosso impasse político: por que nossos dois melhores partidos, PSDB e PT, caíram tão baixo? Por que um deles foi derrotado em quatro eleições presidenciais sucessivas e o outro perdeu o poder num ritmo que, a partir de certo momento, pareceu inexorável?

Isso é mais importante do que especular sobre os nomes da direita e da esquerda para a eleição de 2018.

Penso que a falta de democracia interna em ambos foi uma das causas de seu esvaziamento. O PSDB era chamado de "um partido de muito cacique e pouco índio" desde sua fundação, em 1988. Seus candidatos presidenciais foram indicados em reuniões dos principais líderes, não mais do que quatro.

Quando teve a ética decisão de realizar primárias para escolher seu candidato à Prefeitura de São Paulo, em 2012, o processo foi atropelado na última hora pela entrada do postulante José Serra, acarretando até mesmo o adiamento da votação.

Mesmo em 2016, quando finalmente escolheu João Doria por meio de prévias, resultou em acusações de compra de votos e em racha partidário.

Já o PT teve seus principais candidatos selecionados, desde 2010, por indicação direta do presidente Lula. Naquele ano, quando qualquer nome do partido venceria o pleito, ele escolheu uma candidata sem experiência eleitoral nem habilidade política, Dilma Rousseff.

Em 2012, para a Prefeitura de São Paulo, atropelou a candidatura de Marta Suplicy com o bom argumento de que ela teria um piso alto, mas um teto baixo nas intenções de voto. Ainda assim, substituiu a decisão em prévias ou convenção por uma indicação de cima para baixo, em favor de Fernando Haddad.

Da primeira vez, qualquer petista ganharia; da segunda, só o indicado por Lula. Na terceira, a eleição para o governado paulista em 2014, o nome indicado, Alexandre Padilha, ficou abaixo do piso histórico do partido.

Nenhum dos dois partidos submeteu a seus membros -ou a um colégio mais amplo de simpatizantes, como se faz na França e na Argentina- a escolha do candidato.

Hoje se vive a preocupação, no PSDB, de que Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra possam sair candidatos ao mesmo tempo, um contra o outro, obviamente por siglas diferentes. Esse receio não é o sinal claríssimo de que não existe, nem mesmo entre os nomes de grife do partido, fidelidade partidária genuína?

Alguém pode imaginar Hillary Clinton, derrotada por Barack Obama nas primárias de 2008, concorrendo contra ele por outro partido? Ou, na Alemanha, um rival interno de Angela Merkel saindo por uma sigla independente contra ela? Ou algo assim nas demais democracias consolidadas?

Essa baixa fidelidade dos próprios líderes a seus partidos está ligada, esta é minha tese, à pouca importância que as agremiações dão a seus afiliados.

Um artigo de alguns anos atrás do jornalista Cristian Klein, no joral "Valor Econômico", mostrava que em muitos partidos a maior parte das direções municipais não era eleita localmente, mas nomeada pelas instâncias superiores, estaduais ou mesmo nacional.

O PT e o PMDB eram as grandes exceções, com dirigentes municipais eleitos pelos filiados. Outros eram casos de intervenção a granel.

Ficam, portanto, algumas perguntas. Se um partido não pratica a democracia internamente, como poderá ele fortalecer a democracia no país como um todo?

Para termos um país realmente democrático, não precisaremos democratizar os partidos? Que tal tentar isso? E por que não começar com discussões de baixo para cima, não sobre nomes, mas sobre ideias e programas?

Professor titular de ética e filosofia política da USP. Foi ministro da Educação em 2015 (governo Dilma)