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Fábio Trad: Meu testemunho



Artigo publicado originalmente no Topmídianews:

Conheço a “peça” há quatro décadas. Um cara complexo, cheio de soluços no humor, difícil de ler. Instiga e surpreende. 

Fosse um livro, seria um enigmático ensaio sobre a travessia existencial de um místico pragmático, espécie de crédulo em túnica santificada, mas calçado com chuteiras do mundo profano.

Manso e cordato quando não o agridem, é capaz de rever conceitos e impressões diante de um singelo detalhe casual dos adversários (uma palavra, um gesto, enfim) mortificando-se em culpa piedosa para redimir-se dos embates pretéritos.

Tem dificuldade de virar páginas que lhe foram hostis, mas sua perspicácia já o convenceu de que o ressentimento escraviza.

Em quarenta anos de convivência, nunca o vi chorar, mas tenho certeza de que já o fez sozinho trancado em algum aposento da consciência. Raras (não mais que três) as gargalhadas que testemunhei. Duas delas como reação nervosa de pito paterno. Sim, ele ria involuntariamente quando admoestado pelo pai.

Enxaquecoso por represar problemas, exercita-se na sabedoria de um superficialismo defensivo e consciente: não é culto, mas analítico; não é erudito, mas intuitivo; não é homem de ideias, mas um predador de obstáculos. Fosse um jogador, seria volante: destrói ataques e constrói ofensivas.

Sua sanidade se alimenta da vigilância permanente de estados emocionais reativos. Definha até desidratar, mas não se abre para compartilhar preocupações. É daqueles que espera receber o passe, por isso que se coloca sempre acessível no jogo silencioso dos afetos. Seu romantismo não tem açúcar.

Ao formatar o cenário de suas relações, transita com timidez entre os seus como se algo o impulsionasse para uma outra tarefa de agenda. Em casa de mãe, é o mais econômico no verbo, embora seja leve companhia de mesa. Em casa de irmão, olhos no chão e diálogos frugais, conquanto afetuoso em sua discrição. Em casa de amigos, uma simpática presença introvertida.

Eu já o vi enfrentando situações dolorosas. Nunca o vi acovardado. Cresce na adversidade. Sua beleza de alma vem das cicatrizes. Foge do tédio como se fosse um insulto à vida. É um desafeto das coisas fáceis. Pecador bissexto. Sublima-se na fé. Trafega no campeonato da vida como um determinado competidor.

Será difícil vê-lo verbalizar uma situação por mais de três minutos. Sua língua monossilábica contrasta com a profusão de passos, gestos, caminhadas, visitas, decisões, idas, vindas, partidas, chegadas, saques, pênaltis, cultos, encontros, despedidas. É homem de campo, de chão, de rua.

Haverá dias de angústia em que tudo parecerá cinza. Haverá dias de ventura em que o céu de Campo Grande será o seu maior universo. Dias de certeza, dúvidas, surpresas e decepções.

Hoje, ao vê-lo há poucos dias de assumir o desafio da sua vida, rogo e suplico a todas as forças benévolas da transcendência que o imantem de santa energia para resistir às poderosas forças do negativismo.

Do que aprendi, observando e convivendo com ele, posso afirmar com a segurança visual de um testemunho epidérmico: se este irmão que me foi dado por Deus assumisse uma Campo Grande em mar de rosas, ele não seria o grande Prefeito que, certamente, será por receber Campo Grande do jeito em que se encontra.

*Advogado, ex-presidente da OAB/MS e ex-deputado federal