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2016, o ano que não terminou: Buracos & buracos


Esse artigo foi publicado em novembro de 2015. De lá para cá, tirando uma coisinha ou outra, pouca coisa mudou; ou melhor, aconteceram fatos importantes, mas a essência da coisa permaneceu a mesma em 2016. Por isso, faço o registro aqui no blog:


Buraco é a palavra da moda. É um substantivo masculino que tem inúmeros significados. Ele pode ser concreto ou abstrato. 

Para conhecer o primeiro, basta andar nas ruas de Campo Grande. Eles estão aí espalhados aos montes, em lugares inesperados: de todos os tamanhos, profundidade, formato, características; isolados, em conjunto, mais ou menos perigosos – todos aguardando que sejam tapados para garantir trafegabilidade e segurança para a população. 

Há também os buracos metafísicos. Eles tem representações culturais imanentes e transcendentes, sugerindo que abram a esfera exterior para o interior misterioso. 

O buraco é símbolo do desconhecido. Basta que nos aproximemos de uma depressão natural profunda e escura para fiquemos em alerta, experimentando sensações estranhas. Geralmente, ficamos com medo, acreditando que vamos mergulhar num mundo desconhecido - e nunca mais voltar. 

“Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carol, começa a trama quando a personagem cai num buraco. Aquele mundo louco só acontece lá embaixo. 

Na mitologia, é de um buraco aberto por uma machadada de Hefestos na cabeça de Zeus que nasce Atena, a deusa da inteligência. 

Por isso é que tem gente que diz: “abra a sua cabeça e pense!”.

Temos também os buracos negros, que sugam luz e energia das galáxias, levando tudo para planos incertos e não sabidos. No budismo, hinduísmo e nas filosofias orientais o buraco inscrito nos vasos de jade (Pi) simboliza o céu, que significa a existência de outro mundo. 

Existem sociedades indígenas que enxergam no buraco algo semelhante ao órgão genital feminino por onde se dá o fenômeno da passagem do nascimento e da morte. Eles acreditam que esse é o buraco que permite que se entre e saia das esferas das leis terrenas para planos mais elevados.

Enfim, o buraco sempre suscita a ideia de vazio e desconhecido, provoca temor. No caso das pequenas crateras que se espalham no asfalto da cidade, elas provocam raiva e desgaste político para o prefeito. A cada solavanco ou acidente, é a mãe do nosso Bernal que sofre. 

E assim, o buraco transforma-se na metáfora dos nossos dias. Dilma (quando na presidência) não sabe o que fazer com o rombo das contas públicas. Ela cavou fundo e agora deseja nos entregar uma fatura de mais de R$ 100 bilhões para aplainar o déficit que pode nos levar para lugares mais profundos. 

Temos que reconhecer que o buraco é federal, estadual e municipal. Olhando de perto, cada um tem um jeitão próprio, mas não há dúvida de que ele existe. Tem gente que parece que tem um buraco na cabeça e esqueceu o que falou nas últimas campanhas eleitorais: promessas, convicções, intenções e projetos, parece que tudo desapareceu na escuridão e de lá não vai sair mais. 

Estamos vendo nossas autoridades se esforçarem para tapar todas essas cavidades ulcerativas. O governador Reinaldo Azambuja vem sofrendo para convencer a sociedade de que a elevação de carga tributária que está propondo tem o nobre propósito de reduzir os buracos das finanças estaduais. 

Como a crise é braba e o dinheiro está escasso qualquer tentativa de o setor público querer buscar mais do bolso do contribuinte provoca reações adversas. Digamos que depois que o senado derrubou a renovação da CPMF, em 2008, começou haver uma alteração gradual da mentalidade sobre a questão da carga tributária. 

Na cabeça dos eleitores, os governos querem aumentar tributos para que os governantes e seus acólitos possam roubar mais. Não adianta explicações técnicas sobre cumprimento de leis orçamentárias, repasses obrigatórios, cumprimentos de metas de arrecadação etc. Nada disso convence aquele cidadão com exacerbado senso crítico sobre a conduta dos políticos. 

Azambuja diferenciou-se na última campanha batendo bumbo em torno da idéia de que ele “ia conversar com as pessoas”. Ou seja: estaria mais aberto a tomar decisões compartilhadas, descartando o modelo autoritário de seu antecessor. Pelo visto, parece que não compreendeu o buraco em que estava se metendo, tanto que tem gente pedindo a volta daquele que parece que ainda não foi, pois metade do governo pertence a ele. 

Pode ser que o governador acredite que, no íntimo, está tentando dialogar. Mas o sentimento não é esse. Sua comunicação está errada. Há excesso de reclamação de que ele aprofunda uma tendência isolacionista (característico de sua personalidade), enfeixado pela tradicional turminha do tereré. 

Sei que não é fácil lidar com todas essas situações. Mas uma coisa é certa: tapados os buracos, esquece-se que um dia eles existiram. O problema é que eles insistem em aparecer. `As vezes se transforma em fundo do poço, noutras em precipício. É a vida