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Os eleitores de Trump não são estúpidos, nós é que somos surdos


Na onda de autocrítica que se criou depois da vitória de Donald Trump, de tudo que pude ler até o momento a melhor referência do sentimento de "mea culpa" talvez seja o artigo da jornalista Patrícia Campo Mello, da Folha de S.Paulo, publicado hoje. Vamos a ele:

"No dia seguinte à reeleição de George W. Bush em 2004, o tabloide britânico "Daily Mirror" saiu com a seguinte manchete: "Como podem 59.017.382 americanos ser tão idiotas?"

Hoje, na ressaca da eleição do republicano Donald Trump, a pergunta é: "Como podem milhões de institutos de pesquisa, jornalistas, analistas, políticos, acadêmicos, ser tão estúpidos?"

Todo mundo subestimou a força do "angry white man". Sim, existe uma mudança demográfica inexorável e, em 2065, os brancos serão uma minoria nos Estados Unidos, 46% da população, diante de 24% de hispânicos, 14% de asiáticos e 13% de negros.

Mas, por enquanto, os brancos ainda são uma maioria (62%) —que era silenciosa, mas se tornou estridente, aqui nos EUA e do outro lado do Atlântico, na Europa.

Esse brancos votaram em Donald Trump —para eles, o único "não político", aquele que consegue "sentir a dor" desses órfãos da globalização.

Nem o tão propalado "racha educacional" —de que os eleitores brancos sem curso superior iriam apoiar Trump em massa, mas aqueles com maior grau de instrução iriam migrar em grandes números para Hillary— se comprovou. 

Entre os brancos sem curso superior, ele teve apoio de 67% (de acordo com pesquisas de boca de urna). E entre os brancos com curso superior, ele venceu por quatro pontos porcentuais de vantagem.

A campanha de Hillary já elegeu seus bodes expiatórios —o diretor do FBI, James Comey, que anunciou novas investigações sobre servidor privado de e-mails de Hillary a poucos dias da eleição, e os candidatos de terceiro partido, o libertário Gary Johnson e a verde Jill Stein, que teriam repetido Ralph Nader, o estraga prazer na eleição Gore-Bush em 2004.

O fato é que o problema foi surdez. Surdez generalizada aos recados dos brancos dos dois lados do Atlântico, que se sentem injustiçados, que veem suas vidas piorando, sempre culpando o "outro". Seja o muçulmano, o imigrante, o hispânico ou o negro.

A maioria silenciosa falou, e o recado foi brutal. Estúpidos somos nós, que não percebemos o que estava vindo (e eu me incluo nesta mea culpa post mortem). E achamos que a globalização era boa para a maioria, portanto quem estava descontente ia se conformar".