Os leitores que me perdoem, mas sinto um prazer quase sádico quando me deparo com um fenômeno como o da eleição de Donald Trump, que desconcertou a totalidade de jornalistas metidinhos, dos cientistas políticos donos da verdade e dos especialistas prepotentes.
O jeito como eles estão se comportando na TV quando são chamados a dar explicações sobre os erros cometidos no confronto com suas certezas anteriores (no caso, a da vitória irrecorrível de Hillary Clinton) provoca em mim aquele sentimento diabólico de vingança secreta, como se eu fosse um padre diante do penitente confessando suas culpas.
O olhar fugidio, as elipses verbais, o movimento curvado do corpo, o sorrisinho amarelo, enfim, o torcicolo mental evidente de quem busca na mente um fiapo de razão instrumental diante da incongruência dos fatos.
Fiquei feliz com a vitória de Trump? Não.
Na verdade, oscilei entre o aborrecimento e uma certa excitação provocada pelo desconhecido.
O conhecimento convencional foi derrotado.
As análises de cenário baseadas em séries de pesquisas, as leituras logarítmicas de Nate Silver (o oráculo de nossa modernidade), o consenso da mídia contra o mais tosco e brega dos candidatos à presidência da história americana, ou seja, todo o conhecimento fundado nos últimos 50 anos em torno das interpretações sociológicas das comunidades urbanas organizadas virou pó.
A pergunta que girava em torno de nossas cabeças era a seguinte: como um sujeito boçal que fala e faz merda o tempo todo conseguiu se eleger presidente do País mais poderoso do mundo?
Explicação 1: a água americana foi contaminada por uma droga que fez o povo perder o juízo.
Explicação 2: a democracia é o sistema preferido dos idiotas.
Explicação 3: as conjunções orbitais das luas de Saturno alteraram as configurações cósmicas de escorpião e sagitário, gerando turbulências psico-emocionais nos viventes.
Enfim, explicações nesse momento são impossíveis. As camadas submersas da razão do voto em Trump deverão passar por extenso e profundo escrutínio.
Mas não tenham dúvidas: a arrogância foi sumariamente derrotada.
Será importante encontrar outros modelos de leitura da realidade. Espero.
De tudo que estou lendo e acompanhando o depoimento de uma eleitora americana me chamou a atenção.
Perguntaram a ela se as declarações preconceituosas do candidato e suas gafes homéricas durante a campanha não mereciam ser levadas em conta na hora do voto. Ela respondeu: "sim, ele errou muito; mas era autêntico".