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Nietzsche e o clima

O blog publica trecho da obra “Ecce Homo”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (editora Max Limonad, tradução de Paulo Cesar Souza), escrito em 1888, quando seus problemas mentais já estavam avançados. Mesmo assim, Freud considerou esse um dos principais livros de  Nietzsche e de grande valor introspectivo. Nesse trecho que selecionamos para os leitores – um dos mais interessantes de todo o ensaio – o filósofo comenta sobre a influência climática na nossa formação mental. Vale a pena ler: 

“A influência climática sobre o metabolismo, seu retardamento, sua aceleração, é tal que um equívoco quanto a lugar e clima pode alhear um homem de sua tarefa, como inclusive ocultá-lo de todo: ele não consegue tê-la em vista. (...)

O tempo do metabolismo mantém relação precisa com a mobilidade ou paralisia dos pés do espírito; o próprio ‘espírito’ não passa de uma forma desse metabolismo.


Pense-se nos lugares em que há ou houve homens ricos de espírito, em que engenho, refinamento, malícia são parte da felicidade, onde o gênio quase que necessariamente sentiu-se em casa: todos possuem um ar magnificamente seco. Paris, a Provença, Florença, Jerusalem, Atenas – estes nomes provam algo: o gênio é condicionado pelo ar seco, pelo céu puro – isto é, por um metabolismo rápido, pela possibilidade de suprir-se sempre novamente de grandes, tremendas quantidades de energia. 


Tenho em mente um caso em que um espírito notável e potencialmente livre tornou-se estreito, encolhido, um rabugento especialista por simples falta de fineza de instintos com relação ao clima. E eu mesmo poderia ter-me tornado afinal este caso, se a doença não me tivesse forçado à razão, à reflexão sobre a razão no real. 


Agora, em que após longa prática sei ler em mim os influxos de origem climática e meteorológica, como em um instrumento muito sensível e confiável, e já numa curta viagem como de Turim e Milão posso calcular fisiologicamente a variação de graus da umidade do ar, penso com horror no fato sinistro de que até os últimos dez anos, anos com perigo de vida, minha vida se passou somente em lugares errados e realmente proibidos para mim.”