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Luciano Martins: Reminiscências


Artigo publicado originalmente no site Midiamax:

Em “O Mito da Caverna”, Platão descreve prisioneiros que desde o nascimento vivem presos por meio de correntes numa lúgubre caverna. Passam todo tempo olhando para a parede que é iluminada por uma fogueira, projetando nas paredes “sombras das estátuas”. Estas são as únicas imagens que aqueles prisioneiros conseguiam enxergar.

Com o correr do tempo, de acordo com a frequência das aparições, os prisioneiros passaram a dar nomes a essas sombras; faziam, inclusive, torneios para se gabarem, se vangloriarem a quem acertasse as corretas denominações e regularidades.

Pois bem, imagine-se que um destes prisioneiros é forçado a sair das amarras e vasculhar o interior da caverna. Ele veria que o que permitia a visão era a fogueira, perceberia também que passou a vida inteira julgando apenas sombras e ilusões, desconhecendo a verdade, isto é, em total descompasso com a verdadeira realidade.

Imagine-se, ainda, que esse mesmo prisioneiro saísse da caverna. De proêmio, imediatamente a luz do sol ofuscaria sua visão, e só depois, habituado à nova realidade, poderia voltar a enxergar as maravilhas que existiam fora da caverna.

Com rapidez perceberia que aqueles seres tinham mais qualidades do que as sombras e as estátuas a que estava acostumado. Em outras palavras, estaria a viver a realidade, os seres como são em si mesmos.

Com a mesma velocidade com que lhe aconteciam aquelas novidades, lembrou-se de seus “amigos”, voltar e falar a verdade que os seus olhos viram? Vale à pena?  Por que compartilhar a verdade?

Estamos falando de Platão, então, nada mais justo do que usar o Método Dialético que lhe é próprio: Opinião versus verdade; desejo versus razão; interesse particular versus interesse universal; ou ainda, senso comum versus filosofia.

Ávido, o alvissareiro perquiriu: Por que esconder a verdade?

Dito e feito, exultado com o novo mundo e com o conhecimento que então passara a ter da realidade, ex-prisioneiro – incauto, afinal, não havia malicia por aquelas paragens! - foi ao encontro de seus antigos amigos de escuridão.

Imediatamente, absorto por aquele sentimento de solidariedade, naquele palco que um dia lhe reproduzira apena imagens refletidas por um feixe de luz, tecia sua apaixonada sustentação oral acerca da verdade que seus olhos contemplaram.

No entanto, seus amigos, em total ablepsia, não conseguiam vislumbrar senão aquela realidade, debocharam do liberto, taxaram-no de louco, e ainda o advertiram que, se não parasse com suas maluquices acabariam por matá-lo.

Com receio de que a insanidade que afetara o homem liberto se propagasse entre os demais, acabaram por matá-lo. Eis o trágico desfecho.

A alegoria da caverna nos admoesta em vários sentidos, a anamnese se propõe justamente a isso, análise visceral daquilo que nos mantem “presos” (melhor nem listar).

 Sair das “cavernas” vai depender de cada um. A todo tempo, sem exceção, seremos angustiados a decidir entre uma coisa e outra.

 E deste amalgama entre a magia do ineditismo e a angústia, resulta a seguinte premissa, demore o tempo que for para decidir o que você quer da vida, e depois que decidir não recue ante nenhum pretexto, porque o mundo tentará te dissuadir – concluo Platão, recorrendo-me a Nietzsche.

Força e Honra!

Advogado