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Fidel: boa viagem e não volte mais


Quando tinha 12 anos, eu era inocente e besta. Morava numa pequena cidade do interior de São Paulo. Um dia, perguntei para o meu melhor amigo: "afinal, o que é esse negócio de ditadura militar que tanto falam?". 

Ele me olhou assustado e achou que eu fosse louco. "Você quer mesmo saber o que é isso? Vá até a praça e comece a gritar bem alto: viva Cuba!, viva Fidel Castro!". 

Não entendi nada. Demorou para eu entender qual era o jogo de verdade. Perguntei para um e outro. Li uns livrinhos. Mais tarde caiu em minhas mãos "A ilha", do jornalista Fernando Morais, e foi daí que fui tomado de encantamento por Fidel. 

Mais tarde li duas biografias do "líder revolucionário". Assisti a uns documentários. Enfim, transformei o cara num dos meus heróis ocasionais. Enquanto havia ditadura no Brasil, Fidel era uma espécie de contraponto simbólico que me colocava do lado dos bons. 

A partir da década de 80, com o fim da censura e da maior circulação de informação, aos poucos foi aparecendo outro Fidel na praça: um cara sectário, ardiloso, meio promíscuo, corrupto e extremamente autoritário. 

Junto a isso, enfim, em vez do herói sem jaça, o Fidel humano, pragmático, histórico. 

Ou seja, era possível pesar tudo numa balança moral e tirar minhas próprias conclusões, da maneira que a minha formação intelectual permitia, pelo menos até aquela fase de minha vida. (Somos seres em permanente construção).

A democracia tem essa vantagem: o dualismo começa a se dissolver. O pensamento e suas formulações começam a se estilhaçar. A sociedade aberta é iconoclasta. Tudo que é sólido desmancha-se no ar. 

Dessa nova sopa, surgiram os vários Fidéis. Por mais esforço que fizesse, meu julgamento histórico pesou contra o ditador, o perseguidor feroz de seus inimigos ideológicos, a cara que mandou prender e matar, perseguiu jornalistas, escritores e homossexuais, o sujeito que fechou uma ilha como se fosse sua hacienda e tornou-se um dos maiores milionários do planeta. 

Tenho muitos amigos que veneram Fidel. Até hoje acreditam na sua picaretagem "revolucionária". O sujeito histórico pode ser até discutível, mas o ser humano que ele foi, sinceramente, é deplorável. 

Torço - apesar de que isso é apenas um sonho - que personagens como ele não voltem mais à cena. E que não inspirem tantos malucos como imagino que, por um momento, por conta do marketing fúnebre, possa inspirar.

Adeus, Fidel. Não sentirei saudades. Mesmo que você tenha feito parte de minha vida.