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Demétrio Magnoli: E se Trump vencer?


Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo:

"E se Donald Trump vencer?" –a pergunta passou a fazer sentido na semana derradeira da campanha presidencial. Hillary Clinton segue favorita, porém o impossível tornou-se apenas improvável. De qualquer forma, não custa imaginar: como seriam os EUA e o mundo com um presidente Donald na Casa Branca?

Esqueça o aviso ritual dos sábios de plantão. Certamente, candidatos abusam, exageram e mentem. Mas, lá como aqui, o discurso de campanha é uma bússola razoável do rumo que seguem quando chegam ao Palácio.

Num certo ponto, Trump prometeu deportar 11 milhões de imigrantes indocumentados, o que requer um Estado totalitário. Ele dividirá esse número por dois ou três –o suficiente para rasgar o tecido social americano, provocando cisões irreparáveis. Se você é antiamericano, torça pelo Donald: a coesão nacional americana sofrerá sob seu governo.

O célebre muro será erguido, inclusive para amansar os nativistas fanáticos que se decepcionarão com a violação do compromisso de deportação geral. Como o governo mexicano obviamente não financiará o monumento à xenofobia, Trump será forçado a salvar a própria face restringindo as remessas de rendas dos imigrantes a seus familiares no outro lado da fronteira.

O ataque às liberdades econômicas internas se combinará com um inédito acirramento das tensões diplomáticas com o país vizinho. Se você é "anti-imperialista", torça pelo Donald: ele girará o México na direção da América Latina.

Trump extraiu as consequências mais radicais do discurso protecionista. Ele honrará a garantia que ofereceu a seus eleitores de explodir o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), repelir a projetada Parceria Transpacífico (TPP), suspender as negociações de um acordo de comércio e investimentos com a União Europeia e estabelecer tarifas punitivas sobre importações de produtos chineses.

Seriam duros golpes não só contra a economia americana, mas também contra a ordem aberta da globalização, já vergada pelo "brexit". As bolsas desabam pelo mundo quando as pesquisas sustentam a hipótese de vitória do republicano. Torça pelo Donald, se você é um "antiglobalista".

Três quartos de século atrás, com Franklin D. Roosevelt e a Segunda Guerra Mundial, os EUA cortaram o fio do seu tradicional isolacionismo. Trump recuperou o fio partido, assegurando que a superpotência só se envolverá no exterior para eliminar ameaças diretas à segurança interna. 

Na sua ofensiva política contra o internacionalismo, evidenciou absoluto desprezo pela ONU, qualificou a Otan como uma aliança "anacrônica", recusou-se a condenar a agressão russa na Ucrânia e elogiou a operação militar de Moscou na guerra regional síria.

No meio disso, adulou Vladimir Putin, "meu brilhante amigo", emitindo sinais incompreensíveis aos aliados dos EUA na Europa. Torça pelo Donald, se você simpatiza com o "putinismo".

O programa nuclear da Coreia do Norte é problema dos japoneses e sul-coreanos, não dos EUA, declarou Trump. O acordo nuclear com o Irã deve ser desfeito, insistiu várias vezes o candidato republicano.
Lavando suas mãos no Extremo Oriente e no Oriente Médio, a superpotência estimularia a proliferação dos arsenais nucleares.

A estabilidade geopolítica europeia é problema dos europeus, não dos EUA, vociferou Trump, dando de ombros para as tensões militares entre a Rússia e a Otan no mares Negro e Báltico.

Renunciando a seu engajamento no Velho Mundo, a superpotência ofereceria um simulacro de credibilidade ao sonho putinista de restauração da Grande Rússia.

Se você almeja o desmoronamento da "Pax Americana" ou da "hegemonia do Ocidente", torça pelo Donald.

A insurreição neonacionalista, nativista e populista corporificada por Trump triunfará ou será derrotada pelos cidadãos americanos. Mas, nesta terça, decide-se muito mais que o futuro próximo dos EUA.

*Doutor em geografia humana, é especialista em política internacional.