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CPI dos Fantasmas: concursados e comissionados

Há uma velha discussão na sociedade sobre cargos comissionados e concursados. Na última campanha eleitoral de Campo Grande, por conta da denúncia em torno da relação funcional do candidato Marquinhos Trad na Assembléia Legislativa, o assunto ganhou fóruns de polêmica altamente divisiva e irracional. 

O fato de Marquinhos ter ganho provimento num período em que não havia concurso público na Casa Legislativa transformou-se numa bandeira desqualificativa no período do processo eleitoral, desdobrando-se na criação da chamada "CPI dos Fantasmas" e, talvez, na reformulação do modelo de formação de seus quadros funcionais.

Esse debate é saudável porque visa, em última instância, melhorar a qualidade dos serviços públicos brasileiros. 

Nos últimos anos, a realização de concursos tem sido responsável pelo preenchimento de vagas em vários setores das mais diversas esferas governamentais, indicando uma preocupação geral com a melhoria dos padrões profissionais, além de um gerenciamento autônomo dos interesses momentâneos de quem ocupa o poder eletivamente ou por escolha política. 

A valorização do concurso público é uma opção de natureza democrática no rumo da criação de um setor público cuja base é o mérito e o conhecimento técnico. Mesmo assim, todos sabem, por si só isso não soluciona o problema de melhoria permanente da qualidade de prestação de serviços à sociedade. 

Se qualquer cidadão ou cidadã precisar de um exemplo basta lhe pedir que dê uma nota de O a 10 sobre a eficiência do funcionalismo público nas várias esferas de atuação (municipal, estadual e federal) e nos diversos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). 

O conjunto da obra dispensa comentários. 

Por experiência histórica, sabe-se que nem o sistema de nomeação de livre provimento nem concurso público tem dado eficácia ao sistema de um modo geral. Há nichos de excelência em vários setores, mas eles são destacados porque representam a exceção e não a regra. 

Cargos em comissão, certamente, devem ser reduzidos, mas concursados devem ser submetidos constantemente a avaliação e a políticas de controle para não amortecer (ou até mesmo paralisar) atividades sob o risco constante de serem dominadas por um corporativismo tosco e reducionista. 

Não acho demérito ser funcionário comissionado, nem há mérito (por si só) em ser concursado. 

Ademais, todo governante contrata milhares de comissionados por razões óbvias. 

Primeiro, porque a lei faculta. Segundo, ele tem à sua disposição um exército político a lhe defender. Terceiro, exerce sobre essa massa imenso poder coercitivo, algo - arrisco a dizer - essencial para colocar em prática seus programas de ação prometidos em campanha. 

Sem contar que tudo isso lhe proporciona ramificações sobre as muitas esferas de interesse político, dando corpo e alma ao exercício do poder. 

Ninguém é ingênuo para não compreender com clareza esse processo - e não há governante que prefira, no seu íntimo, ter um séquito à sua disposição em vez de funcionários estáveis e relativamente intocáveis - ganhando salários estratosféricos - que possam contrariar seus interesses políticos e eleitorais. 

O mundo ideal seria o equilíbrio entre as duas partes. 

Devia haver limites institucionais que pudessem romper com o jogo do interesse meramente eleitoral e momentâneo e, ao mesmo tempo, não permitir que a burocracia, a estabilidade funcional e a lassidão dessem as cartas nesse jogo complexo que representa administrar a máquina estatal. 

A impermanência no setor público - cargos comissionados - favorecem o mandonismo e a corrupção. A burocracia estável e segura - concursos públicos - tem gerado paralisia, pouca criatividade e ensimesmamento do Estado.

Além do mais, concursos não tem garantido governos mais éticos e republicanos.

Sou favorável que se reduzam os cargos em comissão, mas ao mesmo tempo há que se criar mecanismos para que a função pública possa ser dinamizada por fatores motivacionais que atualmente estão sendo implantados com muita lentidão. 

Ainda assim, o mérito deve estar acima dessas querelas. Demonizar comissionados não resolve o problema. Endeusar concursados muito menos.