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A esquerda não morreu; ela só está perdendo o poder



Leio nas páginas que, com os resultados das eleições municipais, a esquerda no Brasil está morta. Os novos tempos pertencem ao chamado conservadorismo do boutique.

Até poucos anos atrás ninguém tinha coragem de falar de peito aberto que era "de direita". 

No máximo, era possível ouvir aqui e ali que se tinha simpatias por ideias "liberais", mas sempre - era uma ressalva importante - com a presença do "Estado regulador".

Não mais. 

Ser "esquerdista" é quase um anátema. Pertencer à direita - tem gente que ainda fala que é de centro - tem um elã de modernoso, uma pose bacana, uma espécie de aura ascética de quem professa a fé na meritocracia e crê na marcha irrefreável da privatização. 

Nesse aspecto, o PT (e satélites) conseguiu produzir, dialeticamente, uma transversalidade cultural nem mesmo imaginada por Gramsci, quando escreveu sobre o processo de hegemonia, gerando antípodas ideológicos em função do nojo criado em torno de si. 

Nenhum gesto, nenhum ato, nenhuma ação concreta, nenhuma palavra, enfim, nada é capaz de gerar consenso na sociedade moderna. 

O grande problema numa democracia de massas permeada pela tecnologia das redes sociais é exatamente esse: todo mundo acredita que tem uma opinião abalizada sobre tudo. 

O sujeito oculto teclando um computador é um arrogante patológico. Ele se sente deus e se torna um militante de sua verdade. 

A ascensão desse novo modelo de pensamento - a que se chama de "direita", mas não é - vem dessa suposta onipotência de imaginar que pertence a um rebanho e, a cada post, pode arrebanhar mais e mais fiéis. 

A esquerda ainda funciona no modo antigo. Ou seja, ela é analógica, enquanto a "direita" (por falta de uma denominação adequada, repito) tornou-se digital e sabe como propagar em linguagem direta, sem intelectualismos pedantes, sua mensagem de salvação. 

A sensibilidade humanista está fora de moda. O conceito predominante é a raiva do poder. Os poderosos ainda não perceberam que basta que eles insinuem alguma liturgia do cargo para se tornar objeto de oposição sutil e sistemática. 

A esquerda perdeu porque estava no poder. A direita, depois de um tempo, vai perder também porque assumiu o poder. 

Enfim, a ciclotimia do poder é a dinâmica do processo. A ninguém é mais dado o direito de cantar vitória exatamente porque, ao fazer isso, abre-se espaço a lhe preparar uma derrota futura. 

O tempo não para. A esquerda só está fragilizada nesse momento porque seu discurso transformou-se numa metáfora do cinismo e da corrupção.

Ela se diluiu no arrivismo burguês misturando grana pesada da Petrobras com propinas de empreiteiros, sob a benção do BNDES 

Com isso, o povo achou melhor promover a volta dos liberais originais e mandar pra casa o liberalismo de fachada. Simples assim.