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A construção do caos


Você liga a TV, lê os jornais e navega na internet. Assunto: a tragédia aérea do Chapecoense. A pauta é quase monotemática. O País está em choque. Enquanto isso, o parlamento brasileiro debate a Lei Anticorrupção. Uma reunião de espertos com imprudentes.

Para os deputados, havia um evento comovente cuja função distrativa abria uma janela de oportunidades para passar por cima de um tema que mobiliza milhões de pessoas e que, sorrateiramente, daria até para passar a perna na sociedade, deformando a legislação para atender interesses pontuais e pluripartidários da classe política brasileira. 

Para piorar ainda mais o quadro, o presidente do Senado Renan Calheiros arrisca uma manobra para dar urgência à votação do projeto "Frankstein", com claro propósito de criar um fato que pudesse constranger o judiciário brasileiro a livrar-lhe a cara no julgamento que pode transformá-lo em réu por causa de denúncias de que recebia dinheiro de empreiteiras para pagar pensão alimentícia de um filho fora do casamento. 

No paralelo, os comentaristas bufavam com razão: quando se trata de projetos para criar um ambiente para salvaguardar os interesses econômicos e sociais do País abrem-se as portas para todo tipo de barganha, o Congresso se divide no jogo de interesses entre situação e oposição, cada grupelho tenta tirar sua lasquinha, enfim, turbina-se o velho e manjado jogo da criação das dificuldades para a venda cínica das facilidades. 

Mas quando se trata da sobrevivência política de finórios malandros da Pátria Amada há uma formidável união de propósitos, acelerando-se a tramitação de projetos, varando-se madrugada adentro, numa encenação teatral que daria inveja a Puccini na famosa a apresentação de Tosca na Basílica de Sant'Andrea della Valle.

Essa gente não percebeu que os tempos são outros. Eles estão vendo que os últimos três anos a sociedade está com a faca entre os dentes ? Quais são os deuses que enlouquecera para que eles continuem insistindo no mesmo modelo político e na mesma forma canhestra de atuação? 

Ontem os panelaços voltaram. Programam-se novas séries de manifestações em todo o País. O caldo vai engrossar . Haverá o momento fatal do esgarçamento das forças difusas em ação. E o Congresso finge-se de Maria Antonieta com o pescoço no cadafalso: se não há pão, comam-se brioches, dizem.

Nesses momentos tensos, sempre costuma surgir um maluco dizendo que salvará a Pátria. Não há dúvida, o caos está sendo construído a cada dia e parece que a marcha da insensatez seguirá em frente.

Oremos.

PS- Eu não gostaria de entrar em detalhes sobre o assunto, mas dentro da série "eles não aprenderam nada" sou obrigado a chamar a atenção do governador Reinaldo Azambuja pelo erro político grosseiro em autorizar a veiculação de farto material publicitário na imprensa, divulgando os feitos de seu governo, nesse momento dramaticamente inadequado. As redes sociais estão fervilhando de indignação. Trata-se de uma questão lógica: se vivemos tempos de austeridade não se pode chamar de outra coisa que não seja asnice esse tipo de iniciativa que tanto deu o que falar na última campanha eleitoral. Isso tem cheiro, cara e jeito de irresponsabilidade, senhor governador. Pra não dizer outra coisa.