Pages

Pedro Mattar: Meio coxinha, meio mortadela


Politicamente estou em um impasse de bico: as nomenclaturas que rolam por ai me deixam confuso, não sei se sou coxinha, se sou mortadela ou caminho em alguma terceira via. Embora tenha dúvidas sobre o que sou, sei muito bem o que sinto, independente dos rótulos. O que forma minha opinião são as experiências pessoais, as informações gerais, conversas, viagens, comparações e o próprio discernimento pra julgar isso e aquilo.

Sou a favor do Bolsa Família bem administrado e dos programas sociais abrangentes. Em país rico não pode existir a fome e menos ainda o desamparo. Atendimento eficiente à saúde é tão óbvio que não há como negar sua prioridade. Por ser fundamental sou favorável a todos os incentivos à Educação e a Pesquisa. Não poderia ser contrário à distribuição de terras improdutivas, programas de moradia digna, políticas anticorrupção, reforma política e transparência administrativa.

Sou contra o racismo – embora considere que o sistema de cotas só acentua as diferenças - a favor do casamento gay, a favor da liberdade de expressão e penso que a democracia é o melhor sistema para preservar as liberdades individuais . Minha leitura sobre controle da imprensa é que isso é coisa de governos totalitários, não de sistemas democráticos. Existe lei para controlar o mal uso da liberdade de expressão.

Na minha forma de olhar a questão ideológica, cada país defende seus interesses e faz valer suas vocações culturais e econômicas. Por mais que um país queira ter economia independente, o sistema monetário do mundo a trela todos a uma regra comum. Seja qual for o regime político de cada país, o que prevalece é a capacidade de cada um lidar com a economia mundial.

Ignorar essa lógica é fingir ingenuidade e nadar em águas ideológicas que atrasam o comércio e o desenvolvimento. A Russia e a China perceberam isso e já ajustaram seus princípios econômicos à realidade. Venezuela, Equador e Cuba e outros países se debatem há um bom tempo diante desse conflito..

Socialismo e comunismo são conceitos políticos sobre equilíbrio e igualdade social, integram os discursos mais inspirados em defesa do ser humano. Teoricamente não há como ir contra seus princípios. Mas na prática existem paradoxos que os tornam duvidosos e inviáveis.

Existe uma distância brutal entre o discurso e a realidade. O problema maior está no homem que executa o processo e as etapas de transição. Os agentes que conduzem e executam esses regimes acabam se transformando em uma casta dirigente tão prepotente e preocupada em manter o poder que se tornam radicais e policialescas, piores que as elites econômicas do sistema democrático. Com a diferença que as leis não ficam disponíveis aos que delas precisam nos sistemas totalitários..

Depois de sessenta anos sob o mesmo regime libertador, conversei em Cuba com centenas de pessoas que me garantiram não querer só comida. Querem crescer pessoal e profissionalmente, querem estar antenados ao mundo atual, ter acesso aos confortos proporcionais a sua época, ou seja, querem o que qualquer cidadão médio tenha direito às coisas básicas neste ano 2016.

Querem o que a esquerda apelidou de costumes burgueses o fato de se abrir acesso a confortos medianos, Cubanos me confessaram não querer um país de funcionários públicos, onde todos são induzidos a pensar, agir e ganhar igual. Me parece utópico imaginar uma sociedade onde todos pensam igual, pois o que leva o mundo adiante são as diferenças, são os transgressores do pensamento racional que ousam e criam soluções. Tenho total consciência sobre as influências malignas do capitalismo selvagem e seus interesses de domínio, mas não troco a liberdade de lutar contra isso pela submissão a um grupo de poder tão radical e policialesco.

O mundo cresceu e os cubanos estão parados no tempo, aprisionados a uma ideologia que só se sustenta limitando e suprimindo a liberdade do cidadão. Boa ideologia é aquela desfrutada e aprovada por todos os que vivem sob suas regras. A casta dirigente cubana, com direito a aderentes, desfruta o que aqui no Brasil somente a elite tem acesso, são os ricos do sistema.

Eles têm discurso prontos, seguem a bula e desfrutam vantagens que são exclusivas. Estive ao lado deles nos bons restaurantes de Havana, fumei seus maravilhosos Cohibas e fui apresentado às lindas “companheiras” cubanas que os acompanhavam. . Diante do isolamento que conduziu sua política econômica ideológica, Cuba socializou a miséria, quando tinha o compromisso de elevar o nível e a qualidade de vida daqueles a quem diz defender. A revolução cubana devolveu aos seus cidadãos a total liberdade de continuar pobres, concedendo a eles alguns benefícios primários, jamais o crescimento pessoal. O cubano não passa fome, mas passa vontade, muita vontade, uma evolução natural nos indivíduos que resolvem gradativamente seus problemas primários.

Os que compunham a casta dirigente do antigo regime russo se tornaram os bilionários do atual regime, tido como semi presidencialista e agora adaptado à economia capitalista. Na China acontece o mesmo, não com o povo, mas com a política econômica diante do mercado global. Minha leitura do socialismo é que na prática, melhor que tirar as conquistas de uma classe que alcançou um estágio de relativo conforto e bem-estar, é mais lógico trabalhar para elevar os mais pobres a esse nível. Essa opção faz mais sentido que declarar guerra e taxar de burgueses os que avançaram na busca dos confortos básicos da modernidade. Governo proletário é uma falácia idealista, não tem relação com a realidade e é usado como argumento “revolucionário& rdquo; para se chegar ao poder. E depois usufruí-lo exatamente como as elites que tanto combatem.

Dizer que sou coxinha ou mortadela seria irresponsável. Meus sentimentos misturam as duas coisas. Não venham me lembrar, os críticos de sofá, que preciso ler fulano ou sicrano, que conheça a história para falar isso ou aquilo. Já li muito mas vivo cercado pelas informações básicas sobre o dia de hoje, elas me bastam. Conheço países comunistas, socialistas, democráticos e até já vivi ditadura.

Não irei abrir mão da minha liberdade de escrever o que eu penso, a favor ou contra quem quer que seja. Tenho informações de referência suficiente para formar minha opinião. Me sinto autorizado quanto qualquer um desses pensadores doutrinários a pensar a partir de mim mesmo. Melhor que qualquer referência externa, meus sentimentos pessoais são so beranos. E fodam-se aqueles que se masturbam com o pau dos outros.