Publicado originalmente na Folha de S.Paulo de hoje:
Foi preciso um vice-governador ser ferido a bala durante uma carreata no interior de GoiĂĄs para a violĂȘncia nas eleiçÔes municipais ganhar repercussĂŁo nacional.
A tensão em disputas por prefeituras e Cùmaras de vereadores não é novidade. Não surgiu de repente nos tiros que mataram José Gomes da Rocha (PTB), candidato a prefeito de Itumbiara, e feriram o vice goiano, José Eliton.
Trata-se de algo impregnado na polĂtica, uma tensĂŁo alimentada por aqueles que representam os eleitores nos palĂĄcios, no Congresso e nas Assembleias Legislativas.
NĂŁo podemos tambĂ©m desprezar a responsabilidade dos grandes partidos. Eles tĂȘm ajudado a alimentar um clima de terror nas disputas no interior e nas periferias.
Espalham boatos sobre o suposto fim de programas sociais e parecem nĂŁo ter ideia ou pouco se importar de como isso mexe com o imaginĂĄrio e os nervos das pessoas.
Com o terrorismo eleitoral nas ruas, a pressão arterial da dona de casa vai a mil, o pai desesperado sai à caça de informaçÔes, e tudo isso vira motivo de bate-boca.
Um samba do crioulo doido que começa com boato, vira ameaça, cresce com agressÔes e termina em morte.
A então presidente Dilma uma vez disse: "Podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição." à realmente um inferno, do Planalto às sedes dos governos estaduais.
Ameaças e boatos surgem no boca a boca das comunidades rurais, nos carros de som em praças e nos programas de rådio e TV idealizados pela lógica do vale-tudo eleitoral. Tudo pensado pelo marqueteiro e carimbado pelo candidato.
E onde mais entra a responsabilidade de nossos deputados nessa violĂȘncia? SĂŁo eles, longe dos plenĂĄrios da CĂąmara e das Assembleia, que incentivam esse modelo de polĂtica que termina em morte.
Para se eleger e reeleger, um deputado precisa manter o comando de seus currais eleitorais, e isso passa pela eleição de prefeitos aliados.
Um candidato a prefeito em campanha faz de tudo para conquistar votos, e as chantagens fazem parte do jogo. O deputado nem sempre coloca a mĂŁo nessa cumbuca, mas a patrocina.
Nas cidades, quem pendura a bandeira de campanha na porta de casa ganha a visita do caminhĂŁo-pipa. Nas demais residĂȘncias, o veĂculo passa reto, e a cisterna segue seca.
Quem declara voto na reeleição do prefeito pode ganhar uma mĂĄquina agrĂcola emprestada e receber a promessa de sua "manutenção" na lista de beneficiĂĄrios do Bolsa FamĂlia.
Nessas campanhas, funcionĂĄrio da prefeitura vira um feroz cabo eleitoral. Para ele, o que estĂĄ em jogo nĂŁo Ă© a polĂtica pĂșblica, mas o seu emprego. Nessa lĂłgica, o simpatizante do candidato adversĂĄrio vira inimigo, atentados viram rotina, e as mortes acontecem.
Eleição municipal Ă© guerra. Mas as autoridades de BrasĂlia parecem se importar pouco com isso. O MinistĂ©rio da Justiça minimiza a realidade e chama o caso de GoiĂĄs como "ponto fora da curva".
O mesmo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que agora se declara chocado com o caso de Itumbiara nĂŁo Ă© capaz de tabular quantas pessoas morreram por causa de disputas eleitorais nos Ășltimos anos no paĂs. Para a Justiça Eleitoral, isso Ă© apenas um problema de polĂcia.
Afinal de contas, tropas militares nas ruas devem garantir uma tranquila votação neste domingo.
*jornalista