Pages

Eduardo Scolese: ViolĂȘncia incentivada


Publicado originalmente na Folha de S.Paulo de hoje:

Foi preciso um vice-governador ser ferido a bala durante uma carreata no interior de GoiĂĄs para a violĂȘncia nas eleiçÔes municipais ganhar repercussĂŁo nacional.

A tensão em disputas por prefeituras e Cùmaras de vereadores não é novidade. Não surgiu de repente nos tiros que mataram José Gomes da Rocha (PTB), candidato a prefeito de Itumbiara, e feriram o vice goiano, José Eliton.

Trata-se de algo impregnado na polĂ­tica, uma tensĂŁo alimentada por aqueles que representam os eleitores nos palĂĄcios, no Congresso e nas Assembleias Legislativas.

NĂŁo podemos tambĂ©m desprezar a responsabilidade dos grandes partidos. Eles tĂȘm ajudado a alimentar um clima de terror nas disputas no interior e nas periferias. 

Espalham boatos sobre o suposto fim de programas sociais e parecem nĂŁo ter ideia ou pouco se importar de como isso mexe com o imaginĂĄrio e os nervos das pessoas.

Com o terrorismo eleitoral nas ruas, a pressĂŁo arterial da dona de casa vai a mil, o pai desesperado sai Ă  caça de informaçÔes, e tudo isso vira motivo de bate-boca. 

Um samba do crioulo doido que começa com boato, vira ameaça, cresce com agressÔes e termina em morte.

A entĂŁo presidente Dilma uma vez disse: "Podemos fazer o diabo quando Ă© a hora da eleição." É realmente um inferno, do Planalto Ă s sedes dos governos estaduais. 

Ameaças e boatos surgem no boca a boca das comunidades rurais, nos carros de som em praças e nos programas de rådio e TV idealizados pela lógica do vale-tudo eleitoral. Tudo pensado pelo marqueteiro e carimbado pelo candidato.

E onde mais entra a responsabilidade de nossos deputados nessa violĂȘncia? SĂŁo eles, longe dos plenĂĄrios da CĂąmara e das Assembleia, que incentivam esse modelo de polĂ­tica que termina em morte.

Para se eleger e reeleger, um deputado precisa manter o comando de seus currais eleitorais, e isso passa pela eleição de prefeitos aliados. 

Um candidato a prefeito em campanha faz de tudo para conquistar votos, e as chantagens fazem parte do jogo. O deputado nem sempre coloca a mĂŁo nessa cumbuca, mas a patrocina.

Nas cidades, quem pendura a bandeira de campanha na porta de casa ganha a visita do caminhĂŁo-pipa. Nas demais residĂȘncias, o veĂ­culo passa reto, e a cisterna segue seca. 

Quem declara voto na reeleição do prefeito pode ganhar uma måquina agrícola emprestada e receber a promessa de sua "manutenção" na lista de beneficiårios do Bolsa Família.

Nessas campanhas, funcionĂĄrio da prefeitura vira um feroz cabo eleitoral. Para ele, o que estĂĄ em jogo nĂŁo Ă© a polĂ­tica pĂșblica, mas o seu emprego. Nessa lĂłgica, o simpatizante do candidato adversĂĄrio vira inimigo, atentados viram rotina, e as mortes acontecem.

Eleição municipal é guerra. Mas as autoridades de Brasília parecem se importar pouco com isso. O Ministério da Justiça minimiza a realidade e chama o caso de Goiås como "ponto fora da curva".

O mesmo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que agora se declara chocado com o caso de Itumbiara nĂŁo Ă© capaz de tabular quantas pessoas morreram por causa de disputas eleitorais nos Ășltimos anos no paĂ­s. Para a Justiça Eleitoral, isso Ă© apenas um problema de polĂ­cia. 

Afinal de contas, tropas militares nas ruas devem garantir uma tranquila votação neste domingo.

*jornalista