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Alexsandro Nogueira: Redenção no chiqueirinho

Vivemos numa era esquisita e mesquinha. Ou melhor, eugênica, onde todos querem ser eternos, lindos, saudáveis, talentosos e bem resolvidos. Bocejo. Um mundinho paralelo que acredita na tecnologia e no corpo sarado como maneiras confortáveis de superar as condições miseráveis em que fomos trancafiados.

Por incrível que pareça, tem gente que acredita nessa maluquice. Esse é o caso da moçada descolada, que pratica o marketing do comportamento e vende a ideia de um  ‘paraíso’ em que homens, mulheres e labradores correm sempre sorridentes e felizes em um campo  gramado, vivendo a plenitude de seus sentimentos, sem se importar com as contas do cartão de crédito ou com problemas domésticos.

Uma coisa meio surrealista, mas que vem ganhando força.  É só você observar: uma galera fit com agasalhos de grife correndo em um parque com seus iphones pendurados no muque, enquanto crianças andam de pedalinho no lago com a família.

Em seguida aparece um casal de idosos namorando de mãos dadas em um banco mostrando que há encantamento conjugal na terceira idade.

Tudo lindo, mas é mais fantasia e menos mundo real. O mundo é bem mais complexo: árido, competitivo e feito de sangue, suor e lágrimas.

Fico intrigado, por que uma parcela significativa da sociedade ainda insiste em acreditar nesse mito de felicidade e vida perfeita? As respostas, das mais contidas às mais elucidativas, estão descritas no livro mais recente do filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, “Filosofia para corajosos” .

O autor têm a sensibilidade de compreender o momento atual que nos permeia e arrisca uma opinião. Para ele, tal comportamento é compreensível dentro de um espectro geracional. 

A maioria das pessoas que incorporou essas baboseiras pertencem a uma geração de mimados que dedica boa parte do tempo em ser curtível no Facebook, fugindo das responsabilidades do cotidiano e da realidade de que a vida é bela, violenta e imunda.

Em determinado trecho do livro, Pondé aponta para o fato de que a vida harmoniosa, na forma de gente sempre limpinha, saudável e comportada, está distante da realidade porque somos feitos do mesmo barro e temos paixões e rompantes que desorganizam nossa vida.

E profetiza que só daqui a mil anos compreenderemos que é o componente humano no homem que atrapalha seu avanço.

Esse é o fundo do argumento filosófico de Pondé que não acredita no blá-blá-blá de gente feliz e bem resolvida, porque cada um tem seus vícios e suas virtudes internalizadas e incompatíveis no homem racional.

Mas esse tema é interminável e merece discussões destemidas. Provavelmente essas afirmações não são ditas de forma clara por aí, porque somos a civilização mais tediosa e hipócrita que já existiu - e o fruto dessa mentira sou eu e você.

*jornalista/Campo Grande MS