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Alexsandro Nogueira: Dizer o que se sente


Sento no chão e fico encolhido num canto. Fixo o olhar num ponto vago. Falo sozinho balbuciando palavras sem nexo. Meus lábios estão trêmulos. Estou inquieto. Puxo o cabelo, passo a mão pelo rosto de barba rala e grisalha. Quero incendiar a cidade. Em outras épocas dormia profundamente e um sonho sem sentido me visitava. Agora, o pesadelo se apresenta com suas mãos fortes e carcomidas.

Na hora de deitar, não tenho sono. Só um misto de temores e aborrecimentos. Sem levantar a cabeça, vago pela casa atrás de respostas. Algo que faça sentido e me adormeça. Quero existir, olho para os lados e não vejo nada. Pareço invisível. É assustador!

Um vulto imóvel e escuro não se demora. Se ergue para ameaçar meu imaginário. Como a face desbotada de um rosto disforme e cheio de sombras. Deixo a luz apagada onde o silêncio vence todos os barulhos.

A noite avança quieta. As pálpebras se cansam. Meus olhos abertos pestanejam, mas seguem como bolas vermelhas incendiadas pela minha loucura.  Lá se vai o meu bocejo. Alguém tem que ir buscá-lo.

A cabeça ardendo em um dia de cor escura. A fúria precede a ira de quem está sufocado. Tudo está amortecido dentro de mim e vou lambendo as feridas até aparecer meu pranto que demora.

Meu corpo quer me envenenar e enche minha cabeça de remorso. A saudade é opressiva e alguns lampejos são pra mim dolorosos. Estou cumprindo minha sentença até o dia do perdão.

Comecei a caminhar pela casa com passos fortes. Pareço cansado. Sigo impaciente e cultivando minha revolta. O instante é de dor, lamento, sei lá o quê. Uma luz se avizinha com a maior leveza. Acho que vai amanhecer.