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A questão da família Trad


Tenho acompanhado com certo interesse e curiosidade o debate subterrâneo dessa campanha eleitoral em Campo Grande em torno das relações familiares dos candidatos. 

A questão que se coloca é a de conceder ou não o poder municipal à “família Trad”. 

Essa discussão em certos segmentos de nossa sociedade é quase tribal. 

Às vezes penso que o candidato Marquinhos Trad carrega uma chaga clânica por (vejam só!) pertencer a uma família! 

Conheço pessoas que argumentam: “ah! Estou cansada da família Trad!”. 

Eu penso com meus botões: eu também estou cansado desse papo. 

Me poupem, please.

Fico me perguntando: existe algum candidato que não pertença a um núcleo familiar? 

Vamos lá: a candidata Rose Modesto tem a sua família; o governador Reinaldo, também; o prefeito Alcides Bernal, idem. Recentemente, a família de Zeca do PT tentou eleger um sobrinho para a Câmara municipal. 

Ninguém reclamou. 

Não resisto, e lembro-me da famosa frase de Tolstói: “todas as famílias felizes se parecem entre si; e as infelizes, são infelizes cada uma à sua maneira”.

Não é preciso estender esse assunto nem invocar o famoso livro de Marx e Engels, “A Sagrada Família”, muito menos a base teórica da filosofia Hegeliana (que imaginava que o princípio da estrutura do Estado era o núcleo familiar), para elucubrar profundamente sobre o tema. 

Vamos, por enquanto, navegar em águas rasas.

Diante disso, por que um dos candidatos é ele e sua família (tudo junto e misturado) e os outros, não? 

Por que Marquinhos dissolveu sua individualidade no jogo político e se tornou representante de um clã, e os outros não? Claro, são as necessidades maniqueístas de campanhas eleitorais turbinando o velho conceito de que em política deve sempre existir um inimigo a ser combatido. 

Para um segmento do nosso espectro social da cidade, esse “inimigo” é a família Trad. Risível. 
Nesse jogo oportunista, assim se torna muito mais fácil superar certas complexidades de nossas vidas, anulando as zonas cinzentas e transformando tudo em preto ou branco. 

A resposta a isso não é simples. 

Reparem: Rose Modesto é política há muitos anos; seu irmão, Rinaldo, é deputado estadual de dois mandatos; outros membros de sua família ocupam cargos e funções no mundo público e empresarial. Mas para muita gente isso é propositadamente “irrelevante”. 

Existem outros casos. Ou melhor: na ponta do lápis, desenhando a árvore genealógica da estrutura estatal de Mato Grosso do Sul temos hoje meia dúzia de famílias controlando todas as esferas dos poderes constituídos. 

Há algum tempo ando perguntando para o mundo acadêmico as razões sociais para escolherem algumas famílias para emblematizar o poder político de algum lugar. 

No Maranhão, houve o tempo da “família Sarney”(não mais); no Ceará, ainda sobrevive a “família Gomes”; em Alagoas, Collor e Calheiros; no Paraná, a “família Richa”; no Rio Grande do Sul, a família “Genro”;  Em Minas Gerais, a “família Neves”; em Santa Catarina, Bornhausen; enfim, em todas as unidades federativas e em vários países do mundo ( Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Espanha,  Grécia etc) o fenômeno clânico acontece em maior ou menor proporção. 

Volto para Campo Grande: nossa cidade teve formação diversa, com pessoas vindas de todos os lugares. Teve um tempo em que se dizia que a cidade era uma ilha de japoneses cercada por “turcos” de todos os lados. 

A “comunidade libanesa” tornou-se grande e influente na cidade. No velho Mato Grosso o Líbano teve até um consulado por aqui. O nome do cônsul? “Assaf Trad”. A política começou aí.

Não pretendo aqui contar histórias longas. Não é minha função. Mas não vejo como algo estranho uma família, cujos membros (não todos) nutram vocação para a política, tentar, pela via democrática, disputar espaço no poder. 

Não entendo as razões pelas quais isso possa se transformar em fator de  constrangimento.
Quem decide é o eleitor. Mas usar essa questão como pomo da discórdia de uma disputa eleitoral, convenhamos, é de um rebaixamento a toda a prova. 

Nesse aspecto, considero grave a crítica que se faz a Marquinhos por ele ser irmão do ex-prefeito Nelsinho Trad. 

Fico a me perguntar: quais as injunções genéticas que fazem com que, materialmente, os atos de um possam ser transmitidos ao outro? 

Membros de uma família são ligados por laços amorosos indissolúveis. Mas a ninguém é dado moralmente responsabilizar ou culpar pessoas por causa de parentesco, próximo ou distante. 

O filho, a filha, a irmã, a esposa, o neto de um prefeito, governador, desembargador, deputado, etc., não podem ser responsabilizados por denúncias que venham lhes fazer por decorrência de atividade pública. 

Os atos não são transmissíveis da esfera privada para a pública. Isso é tão óbvio.

Não há transmissão de consangüinidade nesses casos. 

Como cantou Caetano Veloso, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. 

Portanto, em minha opinião, o uso abusivo da imagem familiar como fator de negatividade política é essencialmente autoritário e regressivo. 

Só idiotas podem imaginar esse argumento como coisa válida numa campanha eleitoral.