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Pedro Mattar: Humanos diversos




PARA QUAL TIME TORCE DEUS ?

O fato de só acreditar em coisas que existem me coloca em confronto com uma porção de outras coisas com as quais não concordo, mas que também existem. 

Pode parecer confuso, e talvez seja, mas no papel de observador precavido, venho assistindo atitudes bastante curiosas que passam pela minha frente sem que as procure. Atento, vou anotando os fatos e, depois, faço o relato do que me pareceu. É o caso, agora.

A maioria dos seres viventes já percebeu que entre os humanos existem diferenças de crenças, de atitudes, de sentimento e ângulos de visão,entre outras. 

Pois bem, no jogo de futebol que assisti domingo à tarde, pela TV, antes de ser iniciada a partida, a câmera focalizou em close o jogador de um dos times elevando as duas mãos, estilo parabólica manual, o que me pareceu um gesto de súplica feito a alguém mais acima,muito acima, para que de lá viesse uma forcinha extra para seu time. 

Minha leitura só pode ser essa já que ele erguia a cabeça na direção do céu.

Depois de ter vivido muito e colhido informações consistentes para sustentar o meu ateísmo, aquela cena de jogador suplicante me sugeriu que ele acreditava estar lá em cima a solução para o resultado do jogo. Sua atitude indicava, não tenho dúvidas, que era um contato de segundo grau com uma entidade com poderes para favorecer o time dele e mandar às favas o time adversário.

No lugar de depender de suas próprias qualidades futebolísticas, do seu talento e técnica, ele , o jogador, com o pedido, prudentemente transferia essa responsabilidade à uma entidade superior, a qual, conclui, deveria torcer para o time dele. 

Porque não faz sentido, para mim, que essa entidade superior atendesse o seu pedido e ignorasse o que isso representava, em prejuízo, para o time adversário.

Ao constatar que existe uma legião de jogadores denominados Atletas de Cristo que vinculam suas técnicas futebolísticas e seus sucessos à ajuda superior, fico aqui imaginando como é que lá em cima administram esse desafio. Porque esses jogadores pertencem à equipes diferentes, e portanto, adversárias nos gramados. 

Devo esclarecer que meus questionamentos não têm nada contra a fé ou contra a opção pela religiosidade.Mas eu quero entender como funciona essa lógica e minha curiosidade se limita ao campo de jogo. Quando ganha o time de um dos Atletas de Cristo, os atletas do time adversário perdem. O time que ganhou recebeu ajuda divina e o outro foi ignorado solenemente, é isso? Ou foi penalizado porque não cumpriu direito suas orações e pedidos?

Essa preocupação em transferir resultados e desfechos à vontade divina, no meu modo de entender, é uma bela desculpa para justificar os possíveis e casuais fracassos, seja no futebol ou na vida de forma geral. Porque acaba fragilizando o talento individual, na mesma proporção em que se espera a intervenção de uma vontade alheia. No futebol essa expectativa coloca o atleta na espera de que milagres aconteçam e começa aí uma boa desculpa para explicar as derrotas – e as vitórias. No caso de uma ou de outra, foi resultado da vontade divina. E,ponto final.

Sempre acreditei no poder do pensamento, tanto o positivo como o negativo. É uma tese fluídica, com efeito prático e proporcional à carga despejada. Resultados positivos são mais prováveis em pessoas otimistas, cujo poder nasce da confiança que elas sentem nelas mesmas, na própria capacidade de fazer acontecer e no desejo ardente do seu querer. 

Otimistas vão à luta sem transferir responsabilidades, são seres que partem para as conquistas alimentando a sí mesmas e, com a consciência de que para abrir qualquer porta é preciso caminhar até ela, pois ela não abre sozinha.

Ter fé em si mesmo é confiar que dentro de cada um de nós existe a garantia de um deus que torce por você, sem entrar em conflito com deus e torcedores de outros times.