"Às vezes a democracia brasileira retrocede aos tempos da República Velha. Acordos submersos entre parcela das elites parlamentares, em conluio com outros poderes, revelam que quando imaginamos estar seguindo em frente, no rumo da modernidade, tem gente se esforçando para dar dois passos para trás.
Foi esse o caso da articulação de bastidores para tentar anistiar os políticos envolvidos na Lava Jato, que teve a participação de líderes e integrantes dos principais partidos da Câmara dos Deputados, mas que acabou barrada principalmente pela resistência de pequenas agremiações.
Esse caso mostra que uma expressiva parcela de nossos deputados e senadores ainda não compreendeu o que está acontecendo no País real. Manobras como essa – caso fossem bem sucedidas – mostrariam à sociedade que o Brasil tornara-se um lugar inviável para se viver.
Nunca é demais repetir que viver num Estado Democrático de Direito, visando trabalhar para o fortalecimento das instituições, é muito complicado e que demanda um grande desprendimento pessoal. Há que se acostumar com outra mentalidade. Não há espaço para “golpes” como esse.
Fenômenos que foram se tornando, desde o século passado, usos e costumes das classes políticas, na emersão de uma sociedade aberta, novos tempos, são vistas com indignação e revolta. Não se aceita mais com passividade acertos corporativistas, patrimonialismo escancarado, uso de caixa dois em eleição, prepotência e abuso de poder.
Os cidadãos estão à flor da pele com sentimentos que lhes apontam o que é justo, o que é razoável e o que é inaceitável nas relações do Estado, em suas várias dimensões, com o conjunto da sociedade.
O que mais chama a atenção é que mesmo com um País em crise, vivendo extrema precariedade em seus sistemas de saúde, educação, segurança pública etc., os brasileiros e suas entidades de representação se mostram à frente de seus políticos. Devia ser o contrário, mas estranhamente percebe-se no múnus social mais autenticidade e compromisso do que com a grande maioria das autoridades.
Essa inversão de valores – sobejamente exemplificada nessa canhestra tentativa de obter vantagens legais no escurinho do cinema – precisa ser amplamente debatida para que se transforme numa peça pedagógica que, com o tempo, modifique a cultura política brasileira.
Há muita descrença e desesperança. Precisamos promover o diálogo necessário para reencontrar a paz e a recuperação gradual de nossa economia. Qualquer sinal de retrocesso abala a crença de que podemos reconstruir o País sob o pressuposto de valores éticos.
Estamos no limite entre a necessidade premente de consolidar nossas instituições e a permissividade das vontades exclusivas para manter o atraso. A vontade geral tem que prevalecer. Queremos um País melhor pra viver".
*presidente da OAB/MS