Eu por mim mesmo
“Uma coisa sou eu, outra são meus escritos”, escreveu Nietzsche já meio doidinho no fim da vida.
Digo a mesma coisa. Sou um jornalista de alma leve e mãos pesadas. Não tenho raiva de nada nem de ninguém. Não guardo mágoas. Minhas vinganças são aquelas que duram os minutos exatos antes de chegar o sono. Como era gostoso o meu francês!
Lendo o que escrevo, tem gente que pensa: “esse cara tá com raiva da vida”.
Não: eu estou rindo do mundo.
Meus ressentimentos – humanos, demasiadamente humanos – duram o tempo necessário para que eu encontre um novo assunto para me ocupar.
Meus inimigos são os fantasmas que crio em minha cabeça. Eles desaparecem rápido com um "bú".
O meu autismo ocupacional pula inúmeros temas em poucos instantes, fazendo com que o passado se confunda com o presente, fazendo de minha vida um jogo ilusório entre a ficção e a realidade.
Tudo é fantasia. Nossa mente produz monstros em preto e branco e o meu trabalho é colori-los.
Talvez Lacan esteja correto: viver é um estado de alucinação permanente.
Quando alguém me aborrece, logo penso que acabei de ganhar na megasena e começo construir castelo nas nuvens.
É gozado, mas tenho sobrevivido até aqui desse jeito. Sem dinheiro, lógico.
Durmo tarde e acordo tarde. É durante as madrugadas que encontro paz e concentração para ler, estudar, pesquisar.
Só idiotas gostam de acordar cedo.
A minha missão na vida é estimular debates da mesma forma que Dom Quixote lutava contra moinhos de vento.
Vivemos num mundo chato. A sociedade de consumo estabeleceu como regra de convivência a “cultura do cliente”.
Noutras palavras, o status quo é manter relações civilizatórias que transitam entre a hipocrisia e a maledicência.
Não gosto disso. Por isso, tenho uma fila imensa de desafetos.
No trato pessoal, sou bem fofo. O problema é quando começo a escrever.
Não sei explicar: o teclado me enche de fúria. Quero escrever coisas doces, mas minhas mãos não obedecem.
Às vezes acho que estou psicografando. Algum espírito louco toma conta de mim nessas horas e eu me sinto na obrigação de escrever minhas verdades.
Deixo claro: não falo das verdades absolutas; não sou professor de deus; apenas produzo minhas ideias fundadas nas minhas experiências e conhecimentos precários da vida e do mundo.
Já li de tudo. Mas detesto intelectualismo. Acho que isso é pose pequeno-burguesa. Gente inteligente deve sempre fingir que é burra.
As pessoas detestam pessoas cultas, sábias, que usam o cérebro para transformar o mundo ao seu redor.
Sou tímido e retraído. Gosto de cantos e isolamentos. Daí, um bom livrinho sempre ajuda.
No fundo, sou um moralista babaca, que acha que se o tamanho do pé do outro sujeito não for igualzinho ao meu ele merece ir de imediato para o inferno.
Claro, é um defeito terrível. Mas só assim consigo sobreviver. Por essa razão, prefiro que não me levem a sério; aliás, ninguém merece ser levado a sério. Ou melhor: o homem (ou a mulher) só deve ser levado a sério quando estão no banheiro esvaindo seus líquidos e sólidos.
Fora disso, o ser humano é uma piada de mau gosto.
Sou autodidada. Detesto a burocracia das academias. Não gosto do saber organizado. Gosto de imaginar cobras com chifres, vacas com asas, burrinhos falando javanês.
Acho fundamental incomodar as pessoas. Adoro vê-las reagindo ofendidas, falando horrores a meu respeito, me apontando o dedo de sua moral bisonha na minha direção.
Não faço o mínimo esforço em ser amado. Se quer me odiar?, tudo bem, entre na fila. Estou me rebolando para para os teus sentimentos e seus mi-mi-mis.
Mais importante: sou mentiroso patológico. Se você me leu até aqui, desconfie. Toda a verdade depende do ponto do vista que quem a pronuncia.
Dois mais dois não necessariamente precisa ser quatro. Pode ser zero. Pode ser nada. Depende de mim. De você. Do louco da esquina.