Depois de ouvir no mínimo umas dez audiências sobre o processo de impeachment de dona Dilma, com argumentos pró e contra, conclui, enfim, ter feito meu mestrado informal em economia e gestão de contas públicas.
Nunca aprendi tanto. Depois de quase dois meses, me vi como outro brasileiro, mais sábio, mais informado, mais ponderado.
Os debates acalorados entre defesa e acusação foram verdadeiras aulas de legislação orçamentária, Lei de Responsabilidade Fiscal, Constituição Federal, logística processual, acrescidos de técnicas de oratória ministradas pelo notável ex-ministro Eduardo Cardoso e pela advogada Janaína Pascoal.
Fiquei admirado com a capacidade e resistência física de Gleisi Hoffmann, Ronaldo Caiado, Simone Tebet, Waldemir Moka, Lindberfh Farias, Magno Malta, e tantos outros que brilharam nos embates para salvar ou sacrificar a senhora presidente da República.
Que cenário. A história viva ali se desdobrando, a luta das vozes esganiçada pelo poder, o frenesi político eclodindo para nosso gáudio e nossa ilustração, num dos momentos cruciais de nossa breve vida nacional. Que cinema. Que teatro. Que happening.
Quanta coisa eu não sabia, não imaginava existir; quantas leis a nos governar, quantas normas e notas técnicas abaixo das leis para tentar fazer mover esse mastodonte sujo e amorfo chamado Brasil.
Quando o processo entrou em fase final na semana passada, sob o comando do presidente do Supremo Ricardo Lewandowisk, tomei uma decisão inusitada: assistir a tudo com a ausência de som. Só queria ver as imagens. Só queria ver o Teatro. As palavras perderam o sentido. Eu já sabia as falas, tinha-as decorado.
O espírito de Glauber Rocha tinha se aponderado de mim.
Na quarta e quinta-feiras passadas às vezes fazia o acompanhamento na TV ouvindo Stravinsk ao fundo. Noutras, colocava sinfonia número 5 de Mahler, lembrando Viena fin de siecle.
A pose de prima dona de Gleisi, os olhos inflamados de Lindbergh, a cara de coitada de Vanessa, a face pálida de Lewandovisk, a solenidade de Renan, a travessia sensacional pelo palco do senador Tasso, os meneios de Aécio, a postura fulgurante de Aloysio Nunes, o olhar assustadiço de Simone Tebet, o cabelo encaracolado de Magno Malta, a soberba de Cássio Cunha Lima, as gargalhadas de Zeze perrella, os gestos professorais de Ana Amélia e, finalmente, o jeitão de capiau esclarecido de Cristovam Buarque.
Que falta fez o ex-senador Pedro Simon. Ele daria ma dramaticidade inédita ao evento. Ele daria um certo encanto à ópera bufa, repleto de som e fúria desses dias,
O ex-ministro José Eduardo Cardoso, com aquelas mãos leves levitando diante de nossos olhos como se estivesse regendo uma orquestra, e o rosto enfurecido de Janaína Pascoal, com aqueles cabelos negros espargindo sob a face severa, nunca os esquecerei. Grandes atuações. Momentos verdadeiros de nossa arte dramática, esgrima verbal digna de amantes em momentos de separação traumática.
Enfim, foi uma grande semana. Passei horas ouvindo música, vendo TV, às vezes bebericando um vinho, noutras imóvel, com dor nas costas e no cóccix.
Vi como funciona o País. Vi senadores fazendo esforços retóricos acima de qualquer capacidade para um plenário que não estava nem aí, com senadores conversando entre si, falando ao telefone, rindo, como se tudo fosse uma festa, só faltando os uísques e canapés.
Só fiquei com uma pulga na orelha. Acho que não só eu, mas a imensa maioria do público: afinal, que era aquela barbie sentada o tempo todo ao lado de Lewandowisk. Ninguém lhe perguntou nada - a imprensa parece que esqueceu de explicar quem era a personagem - e ela, ali, ocupando a cena, adentrando nossa casa todos os dias, entrando muda e saindo calada.
Fecha o pano.
Foto/legenda: Ninguém soube responder quem é a Barbie ao lado de Lewandowisk