O colega ali do lado me denunciou assim que abri o pacote de bolacha na sala de aula.
Inveja do meu lanche.
Olhos atentos, a professora ergueu a cabeça e caminhou devagar em minha direção. A classe ficou quieta e eu supliquei a todos os santos que aparecesse uma formiguinha para distraí-la. Não teve jeito. Fui levado para o castigo no fundo sala. Ali permaneci em pé, com o rosto colado na parede e os braços cruzados nas costas.
Por sorte, minha penitência não teve uns bons puxões de orelha. Fui relegado a um canto onde passei a contar os minutos para o recreio. Mas a megera cortou meu barato anunciando que o castigo não tinha intervalo.
Enquanto permanecia na sala deserta, a turma se dispersava lá fora. Cada um para o seu lado sem atinar para o meu sofrimento.
Por uma fresta da janela entreaberta, sondava a vida no pátio: brincadeiras de corrida, lanche, futebol; trancafiado, tentava conter minha tristeza imaginando que aquilo passaria depressa demais.
Foi nessa hora que minha barriga começou a arder e um odor estranho impregnou a sala e veio ficar por perto. Em seguida, percebi que estava todo borrado. Na classe vazia, cheia de carteiras amontoadas, o mau cheiro conspirava contra mim. Mas decidi ficar ali quietinho, suando frio, espremendo as pernas e mordendo a gola da camisa até o intervalo acabar.
Fedendo, me sentia em decomposição. Com um boné enterrado na cabeça, mirava a porta esperando a professora entrar. Ela devia estar nos corredores ou cochilando em algum canto. Até que os passos ligeiros e aflitos dos colegas denunciavam que ela estava à porta.
A professora entrou calada e percebeu algo podre no ar. Quis saber o que aconteceu. Os colegas se entreolharam e apontaram pra mim. Ninguém tinha duvida de que eu e o autor da porcaria habitávamos o mesmo corpo.
Pedi um tempinho para explicar o acontecido, mas ela explodiu! Me chamou de porco, nojento e gritava que não me queria mais ali. Sai do ‘chiqueiro’ direto para o ambulatório. Ali tomei remédio e uma mistura de polvilho diluído em água.
Enquanto ingeria a medicação, a coordenadora avisou meus pais. Mais um pouco e mamãe chegou esbaforida com uma muda de roupa em mãos. Fui direto para o banheiro me limpar. Estava a salvo, pensava despindo o uniforme manchado de merda.
Antes de ir embora, passei na sala e apanhei meu material. Meus colegas espevitados zoavam de mim me chamando de cagão. Escondido da professora, revidei levantando o dedo médio. E minha vingança não parou ali. Antes de sair da sala, não contive o entusiasmo e deixei novamente um cheiro podre no ar que se prolongava à medida que eu caminhava por entre as carteiras.
Livre das mãos da professora, acenei cinicamente para os colegas e fui pra casa comendo bolacha.
Estava restabelecido. Mamãe tentava matraquear sobre o episódio, mas eu permanecia resguardado. Com duas ou três quadras de caminhada, chegamos em casa.
Tinha um restante de tarde à minha espera pra vadiar.
*Jornalista