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A cidade na História: ainda não somos nada



Vale a pena ler “A Cidade na História”, de Lewis Mumford( outubro de 1895/ janeiro de 1990), historiador americano, pesquisador  nas áreas da arte, ciência e tecnologia e saúde, além de crítico e escritor  e professor.

O livro tem pouco mais de 700 páginas. Abre espaço para que enxerguemos as cidades como organismos vivos, tentaculares, que se modificam conforme a dinâmica da chamada “biologia” existencial vai acontecendo. 

As cidades não são asfalto e concreto. As cidades são larvais. 

Mumford chega a ser quase um místico, não fosse suas leituras de Marx, Stuart Mills, John Dewey e dezenas de pensadores clássicos e modernos.

Li esse trabalho fascinante na década de 90 quando me foi encomendado pelo prefeito da época (André Puccinelli) a escrever um livro em parceria com a historiadora Marisa Bittar sobre Campo Grande. 

Fico hoje pensando se qualquer de nossos candidatos à prefeito e mesmo à vereança tivessem mergulhados num livraço como esse. Certamente alguém estaria propondo hoje um debate diferente. Os atuais me causam tristeza. Eles, infelizmente, transitam na esfera do primitivismo populista, de um lado, e nos conceitos antiquados do planejamento urbano de esquerda dos anos 50.

Olho para a minha cidade e me encanto. Sua história ainda é nada. 117 anos é um tempo tão breve como uma centelha de fósforo que se acende e apaga. 

Fico imaginando o que os cidadãos campo-grandenses pensarão a nosso respeito daqui a 300 anos (idade em que as grandes cidades começam a se tornar culturalmente maduras) e, nessas horas de longo alcance da mente, com olhos marejados, costumo me voltar para o céu, e pensar: tomara que eles sejam complacentes e não nos olhem como selvagens urrando no bosque. 

Abaixo, trecho do livro “A Cidade na História”, de Lewis Mumford (Editora Martins Fontes)

(...)
Infelizmente, o homem moderno tem ainda que vencer as perigosas aberrações que tomaram forma institucional nas cidades da Idade do Bronze e que deram destino destruidor às nossas maiores conquistas. Como os governos da Idade do Bronze, ainda consideramos o poder como principal manifestação de divindade ou, senão, como principal agente do desenvolvimento humano. Contudo, o “poder absoluto”, assim como as “armas absolutas”, pertence ao mesmo esquema mágico-religioso do sacrifício humano ritual. Tal pode destrói a cooperação simbiótica do homem com outros homens. Os organismos vivos só podem empregar quantidades limitadas de energia. À existência orgânica, tanto é fatal o que é “demasiadamente copioso” quanto o que é “demasiadamente escasso”. Os organismos, as sociedades, as pessoas humanas, e não menos que eles, as cidades, são instrumentos delicados para regular energia e empregá-la a serviço da vida. 

A principal função da cidade é converter o poder em forma, a a energia em cultura, a matéria inanimada em símbolos vivos da arte, a reprodução biológica em criatividade social. As funções positivas da cidade não podem ser levadas a cabo sem que se criem novas disposições institucionais, capazes de enfrentar as energias enormes que hoje o homem moderno domina: disposição de uma ousadia tão grande quanto aquelas que, nos primeiros tempos, transformaram a aldeia supercrescida e sua fortaleza na cidade nucleada e altamente organizada.
(...)
Por isso mesmo, devemos agora conceber a cidade não, em primeiro lugar, como um local de negócios ou de governo, mas como órgão essencial de expressão e atualização da nova personalidade humana – a do “Homem de um Mundo Só”.
(...)
A missão final da cidade é incentivar a participação consciente do homem no processo cósmico e no processo histórico. Graças a sua estrutura complexa e durável, a cidade aumenta enormememente a capacidade de interpretar esses processos e tomar neles uma parte ativa e formadora, de tal modo que cada fase do drama que desempenhe vem a ter, no mais elevado grau possível, a iluminação da consciência, a marca da finalidade, o colorido do amor. Esse engrandecimento de todas as dimensões da vida, mediante comunhão emocional, a comunicação racional e o domínio tecnológico, e, acima de tudo, a representação dramática, tem sido na história a suprema função da cidade. E permanece como a principal razão para que a cidade continue existindo”.