Texto escrito em 1999 e publicado no Jornal da Noite, extinto depois da vigésima edição.
1
Você acaba de assistir “De Olhos Bem Fechados”, o último suspiro cinematográfico do Stanley Kubrick, e está meio impactado com as lembranças daquela suruba magnífica que acaba de acontecer na tela. Diante disso, só consegue enxergar uma saída: tomar uns drinks no Madalena. Você tem esperança de voltar ao normal - e parar de tremer o maxilar.
Você chega meio pálido e senta sozinho numa mesa lá no fundo do bar. Começa a pensar melhor sobre o filme. Está convencido de que só a solidão fará com que tudo retome o seu equilíbrio natural. Quem sabe – eis a grande pergunta -, depois de uma reflexão profunda e uns 8 uísques, crie-se novamente o espaço necessário para que o mundo volte a girar no eixo cronológico de seu próprio umbigo?
Mas aquela cena em que a Nicole Kidman ,depois de fumar um baseado com o Tom Cruise, confessa - numa performance magistral - o tesão incontrolável que sentiu certa vez por um marinheiro, não lhe sai da cabeça. A cena mexe profundamente com suas expectativas masculinas. Ainda mais porque Nicole deixa no limbo entre a fantasia e a realidade a dúvida se, de fato, concretizou a chifrada no maridão.
Você nesse momento olha para o lado e vê as mulheres que estão sentadas pelas mesas. Você começa a acreditar que aquela aparente inocência feminina é uma máscara florentina. E que por trás daqueles risinhos ferve um caldeirão de lascívia e devassidão. Basta um teco para que se rompa os limites da sanidade - e um desejo incontrolável comece a virar tudo de cabeça para o ar. O Dr. Freud está bem ali tocando as trombetas do apocalipse junto com o Marques de Sade...
Nessa hora você suspira e dá graças a deus por alguém ter inventado o sentimento de culpa e a repressão sexual. Melhor ainda: sente-se aliviado por Kubrick ter sido mandado desta para a outra, pois imagine só o que viria depois?
2
Você, então, resolve dar uma voltas. Precisa de ar. Começa pela Afonso Pena, ali pelos lados do Bem Brasil, e zune em direção ao Parque dos Poderes. Vai passando por todos aqueles bares não sem antes atropelar uns dois ou três incautos, que teimam em cruzar a avenida praticando o famoso esporte de carregamento de latinhas de cerveja nas mãos. Uau!!!
Lá em cima, em frente ao Parque das Nações, você pára para contemplar a brava gente brasileira nos seus anseios de confraternização pagodeira, num momento raro de perda de autenticidade regional. Ali a cidade se conflui e se dilui. As diferenças culturais somam zero. É uma mania de footing que permanece arraigado entre todos.
Passados esses momentos de sentimento de província, você atravessa com o nariz tapado pelo Parque dos Poderes, e desce a Mato Grosso , até passar novamente pelo Madalena. Depois continua adiante. O mundo é pequeno. E atrás vem gente...
3
Terminado o passeio, chegou a hora e a vez do cosmopolitismo. Você agora se prepara para ir ao Tango. Passa em frente e vê aquela irritante fila infinita que atravessa várias ruas e avenidas, com pessoas esperando sua vez para entrar. Não seria o caso de distribuir cobertores e sopinhas para esse pessoal que fica ali durante toda a madrugada? Claro, você desiste. Mas , finalmente, tem uma grande idéia para a próxima semana: chegará ao Tango abraçado com Carlos Menen e assobiando uma musiquinha de Gardel. Aguardem...
4
Você , então, vai ao Parks. Precisa de um referencial de realidade de como o mundo e as pessoas se transformaram rapidamente sem que a cidade desse conta. Felizmente, tudo está calmo. Tem mesas sobrando. Claro, o Governador está viajando...