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Bernardo Carvalho: autoajuda neopopulisra


Artigo publicado originalmente na Folha SP:

"Se você é de extrema-direita, congênere ou simpatizante (se defende Deus, a raça ou a nação em detrimento dos direitos dos indivíduos) e nutre aquele sonho antigo de chegar ao poder, aqui vão algumas dicas.

Não dê ouvidos aos céticos que garantem que já não há a menor chance. Não esmoreça, há indícios positivos. Veja a Alemanha: até outro dia o retorno de um movimento ultra nacionalista parecia inconcebível. Tudo na vida é senso de oportunidade e esta é a sua hora. A primeira medida é identificar um bode expiatório capaz de eletrizar a insatisfação popular. Todo país tem o seu.

Se você nasceu sob a estrela de uma potência ou ex-potência mundial com nostalgia de um passado colonial glorioso, a imigração é a melhor desculpa para a crise econômica e para o desemprego. Conte com a memória curta das pessoas e os mitos nos quais elas precisam acreditar.

Despreze os economistas que insistem em dizer bobagens do tipo: "A imigração ajuda a tirar a economia do buraco". É conversa de tecnocrata. Fale a língua do homem comum. Não é difícil (nesse sentido, você pode contar com o auxílio dos próprios tecnocratas e de seu jargão, como contraponto).

Basta falar em crise de identidade quando o assunto for crise econômica. Todo mundo entende. Todo mundo gosta de identidade. Nacionalismo e protecionismo sempre caem muito bem. Em pouco tempo, um monte de gente estará comendo na sua mão. Vai por mim.

Agora, se você não teve o privilégio de nascer no Primeiro Mundo, também não tem por que ficar arrasado, choramingando pelos cantos. Tudo na vida tem um lado bom. Procure explorar a sua realidade. Se você tiver a sorte de nascer num país com desigualdades sociais extremas, Estado paralisado e a mais desavergonhada irresponsabilidade (fiscal etc.) de uma classe dirigente suicida e sabotadora, procure se aliar a quem tem tino para capitalizar em cima dessa situação, suprindo a falta do Estado entre os necessitados. É tiro e queda.

Não ataque a irresponsabilidade da classe dirigente. Não ponha a culpa no neoliberalismo. Ao contrário, sirva-se deles. Você vai precisar deles para chegar lá. E eles precisam de você para distrair as hordas miseráveis e espoliadas.
Se souber costurar bem essa aliança de ocasião, quem sabe você não acaba com uma concessão de rádio e TV ou até com um partido político? Já pensou? Se tiver índole messiânica e cara de pau para falar em nome de Deus, melhor ainda.

Você também pode (na verdade, deve) se aproveitar do acirramento da crise econômica para inflamar os ânimos de quem perdeu o pouco que tinha. Isso sempre funciona, tanto nas antigas potências coloniais como nas chamadas economias emergentes, e em especial entre essa abstração tão manipulável à qual dão o nome abrangente de classe média.

Nada produz melhor efeito do que a associação entre descontentamento e juízos latentes ou recalcados. A chave do sucesso é apresentar soluções rápidas, simples e positivas (não importa que sejam irreais, esdrúxulas ou falsas) para problemas complexos.

A burrice e a ignorância são seus aliados. Não os subestime. Não há nada mais liberador para a insatisfação desarrazoada do que encontrar uma válvula de escape, um irmão de fé para compartilhar seus preconceitos contra um bode expiatório comum. Aproveite a oportunidade que lhe oferecem as novas mídias. Basta acender o pavio.

Mire-se no exemplo das extremas-direitas nos países desenvolvidos. Observe como elas se comportam. Provocação e normalização, provocação e normalização. Pense nisso. Se lá eles dizem uma barbaridade qualquer, como "as câmaras de gás são um detalhe da história", nunca esquecem de dar um tom cínico à bravata. Piada tem ressonância.

Dependendo da indigência política a seu redor, você poderá até fazer o elogio de um torturador ou de uma ditadura militar, em plenária, no Congresso, com um sorriso nos lábios, sem sofrer consequências imediatas. Alegue liberdade de expressão. É aí que está a manha do negócio: provocação e normalização. Você vai testando o apoio. Se em algum momento a Justiça der a entender que ainda está atenta e funcionando, aí você pode até ter que voltar atrás e pedir desculpas, dizer que reviu suas posições, mas é o de menos, relaxe, aguarde para colher os frutos mais adiante.

E depois, se mesmo seguindo esses conselhos você não chegar ao poder, digo pessoalmente, ainda poderá fomentar um pandemônio das proporções do Brexit, com a vantagem de não ter de prestar contas à população pelo resultado das suas patacoadas. Não é um grande alento? ."

Bernardo Carvalho é escritor e jornalista.