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Poder e desconfiança




O nível de credibilidade dos governantes brasileiros encontra-se numa linha tênue entre nada e coisa nenhuma. Trata-se de um patrimônio construído com zelo e competência durante anos e anos. De certa maneira, qualquer pessoa ou instituição (seja pública ou privada), atualmente sob suspeita de estar envolvida com fatos nebulosos, entra na mira da desconfiança coletiva, independentemente de ser culpado ou inocente.
Chega a ser patético assistir ao esforço que muitos fazem para negar acusações do judiciário e da imprensa com as famosas respostas prontas e as evasivas de praxe. Esses gestos só reforçam o fato de que o acusado tem alguma culpa no cartório e que deve ser punido. A desconfiança impregnou-se na cultura nacional como uma espécie de reação coletiva a “tudo isso que está aí”.
Quem está sob os holofotes não percebe: é inútil negar. Ninguém acredita que o Poder, seja qual for, seja algo límpido e virtuoso, destinado a pessoas puras e bem intencionadas. Qualquer cidadão é capaz de imaginar a dimensão da sedução que representa a oportunidade de se aproveitar das frinchas e oportunidades oferecidas pela máquina estatal, à medida que a sensação de onipotência aumenta e assume proporções às vezes incontroláveis. Na maioria dos casos, o ser humano é corrompido pela vaidade e ambição.
Depois que a casa cai, mesmo que haja declaração de inocência, sempre fica zoando o mosquitinho da dúvida. O distanciamento crescente entre Estado e sociedade adquiriu um sentido meio patológico. O Poder sempre mente, esse é o consenso. As palavras de um presidente, governador, deputado, empresário, não tem valor de face. O esforço para salvaguardar a “boa imagem” de um acusado nestes escândalos que pipocam diariamente guarda semelhança àquela lenda de Sísifo.
É um momento complicado na história de nosso País, principalmente agora, quando a corrupção só vai para a mídia se remontar a casa dos bilhões.
São centenas de personagens importantes com ordens de prisão, convocação por CPIs, ora desfilando algemados, ora presos em celas fétidas, o que cria sensação de que todos, não importa cargo, riqueza ou influência, estão metidos em alguma falcatrua.
Muitos se perguntam – assistindo a esse desfile interminável de teratologia moral – quem será a bola da vez amanhã. Para o povo insatisfeito e irritado, todos são suspeitos, sobretudo aqueles que falam muito em “ética”, em “probidade administrativa” etc., posando de vestal e amigo do povo. A desconfiança pública detecta os sinais submersos emanados por políticos e empresários espertos e os coloca no radar dos inimigos da Pátria.
Se o sujeito – acusado de malfeito – resolve submergir, isso é entendido quase como uma declaração de culpa. Se ele manda seus advogados declarar que ainda não teve conhecimento oficial da denúncia, isso é sinal de enrolação. Se o cara passa pelo corredor polonês da imprensa sem abrir a boca nada mais evidente que é culpado das acusações. Se conceder entrevista, mesmo que jure inocência ou justifique seus atos, ele mente na cara-dura. Não adianta.
A opinião pública acostumou-se a pensar que onde há fumaça há fogo e não há assessor de imprensa ou marqueteiro que consiga tirar esse carimbo da testa do “suspeito”.
Noutras palavras, quem assume o Poder tem que estar consciente de que será submetido o tempo todo à desconfiança geral. A construção de credibilidade pessoal é um processo que deve sempre vincular palavras às ações. Mesmo assim, é inútil ir contra um movimento social baseado em percepção difusa e sentimentos imperfeitos.
Para reverter esse processo em longuíssimo prazo só havendo mudanças estruturais do Estado, com transparência total de receitas e gastos nos mínimos detalhes, acompanhados severamente por órgão de controle, comandados por grupos de especialistas que não se dobram nem se impressionam com o poderoso de plantão.
Mesmo assim, corre-se o risco de privilégios se cristalizarem, novos vícios surgirem e estruturas rígidas se corroerem com o tempo. Enquanto isso não acontece – ou seja, enquanto não houver uma transvaloração de todos os valores, como pregava Nietzsche – só resta aos governantes se renderem à lógica do marketing, tentando criar ilusões, infantilizando a sociedade, mentindo descaradamente e protelando para outro século a chamada “hora da verdade”.
A desconfiança às vezes é a mãe das revoluções silenciosas.