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Passos atribui como causa o efeito da cassação de Bernal


Li com certa preocupação o raciocínio do Procurador-geral de Justiça do Estado, Paulo Passos, em entrevista publicada na edição desta sexta-feira, concedida ao jornalista Adilson Trindade (sempre ele), sobre as razões da cassação do prefeito Alcides Bernal. 

As opiniões do Procurador contém um raciocínio estreito e pouco contextualizado sobre as causas primordiais do impedimento aprovado pela Câmara de Vereadores naquele período, embora esteja correto com relação aos seus efeitos no tempo e no espaço. 

Para ele, grupos políticos contrariados com a perda do poder na prefeitura montaram uma armação “criminosa para desestabilizar a administração de Bernal nos primeiros meses da posse, por estar contrariando os interesses dos antigos mandatários e dos empresários, que lucravam com contratos milionários (diz a reportagem)”. 

Passos provavelmente morava noutro País naquele momento. Portanto, com todo respeito, ele não ficou sabendo que Bernal teve uma votação expressiva, derrotou surpreendentemente velhos caciques da política local, sendo vitimado, em seguida, por um surto psicótico, desaparecendo da cidade por duas semanas, sem dar diretrizes nem indicar nomes que cuidariam da transição administrativa da cidade. 

Levou mais 15 dias para começar a escolher secretários. A Capital ficou um mês no limbo. 

Depois veio a fase agressiva. Passou a dar broncas em qualquer um e atacar a imprensa. Daí surgiu a revelação de que havia comprado um mega-apartamento, ao lado do shopping Campo Grande, por 3 milhões de reais. 

Bernal levou dez dias para se explicar. Não conseguiu. Depois descobriu-se que ele, como advogado, numa fase anterior, surrupiou dinheiro de uma pobre velhinha a título de cobrança de  honorários advocatícios. 

Em seguida,  Bernal assinou um contrato esquisitíssimo com o presidente da OAB/MS, Júlio Cesar Rodrigues, o que gerou um grande escândalo, para prejuízo da imagem dos dois.

Entrou em conflito desnecessário com vereadores, desprezou seus aliados, transformando a cidade num espaço aberto de rinha de galo: a população passou a dividir a opinião a seu respeito. Metade achava que ele tinha pirado. Outra metade dizia que o poder o havia transformado noutro personagem. 

Nesses meses de tumulto, os investimentos imobiliários pararam, milhares perderam o emprego. Funcionários públicos de carreira, com conhecimento técnico acumulado, foram repentinamente transferidos de setor, criando, em toda a prefeitura, uma monumental orgia administrativa. 

Aparelhamento, nomeações indevidas, contratos esquisitos – tudo isso entrou na rotina da administração, cujas danos até hoje são sentidos.

Moradores antigos e recentes de Campo Grande nunca haviam visto nada igual. Bernal todos os dias dava um tiro no pé. Campo Grande caotizou-se. A merenda escolar foi suspensa. Os postos de saúde tornaram-se inoperáveis. As escolas degradaram-se. E a malha viária foi substituída por buracos intermitentes, de norte a sul. 

Em quatro meses de “gestão” a avaliação de Bernal nas pesquisas mostrou um retrato nada confortável para sua persona pública. 

Sua popularidade era quase um traço. Denúncias de corrupção, desvios de finalidades, negligência administrativa, o quadro era profundamente preocupante. 

O prefeito, então, diante da intensa fragilidade política, sem votos na Câmara, sem apoio do funcionalismo e desprezado pela sociedade, abriu todas as brechas possíveis para se formarem grupos políticos coesos  para obter, democraticamente, sua cassação. 

No começo, tudo acontecia nos bastidores. Bernal desprezava as ações dos opositores. Mas elas foram se adensando e, com  isso, entrou em ação a turma barra-pesada, que adora uma parada complicada como essa para vencer o jogo, custasse o que custasse. 

Assim, juntou-se a fome com a vontade de comer. A mobilização de políticos e empresários (com gente boa e má intencionada) foi uma atitude circunstancial, mais motivada por cidadania do que por contrariedades menores. 

Quando perceberam que Bernal não tinha capacidade gerencial e intelectual para administrar os mais afoitos resolveram assumir a prefeitura para saqueá-la usando Olarte, o vice-prefeito, figura escolhida a dedo por Bernal, não por suas qualidade e, sim, por seus vícios. 

Deu no deu. 

Mas uma coisa é certa: 80% da responsabilidade pela queda de Bernal deve ser atribuída a ele mesmo. Na deixa, os espertos e aproveitadores de sempre fizeram a festa.