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Mansour Karmouche: violência e tolerância


Quem tiver paciência de ler o grandioso livro de Steven Pinker, um dos mais importantes neurocientistas do mundo, “Os anjos bons da nossa natureza”, um catatau de quase mil páginas, ficará surpreso em descobrir que a violência, ao longo da história humana, está diminuindo. 

O autor faz uma ampla pesquisa sobre atos de violência coletiva desde os primórdios até os tempos atuais e nos consola com suas conclusões: os homens e mulheres estão se tornando mais pacíficos e tolerantes à medida que os Países aumentam suas preocupações com educação e cultura, ajudando a difundir a democracia, estabelecendo sistemas institucionais mais eficazes, leis mais claras e diretas, enfim, um arcabouço de regras que sintetizam aquilo que denominamos “cultura da paz”. 

Pinker diz nos capítulos finais de sua obra que “gente cuja linguagem é menos integradoramente complexa ou mediana tem maior propensão em reagir à frustração com violência e abre um conflito com mais freqüência com jogos de guerra”.  Ou seja: pessoas que fazem opção deliberada (ou não) pela intolerância, que rejeitam os debates públicos para formular conceitos, que vivem isoladas em seu mundinho, que enxergam que soluções de problemas só são possíveis com medidas de força, essas certamente contribuem enormemente para que a violência seja um fenômeno persistente na sociedade. 

O recente atentado na boate Pulse Nigth Clube, em Orlando, onde morreram 50 pessoas, praticado por Omar Matten, 29 anos, jovem de origem Afegã (nascido em Nova York), certamente tem causado repulsa mundial pela bestialidade explícita. Mesmo que o caso ainda não seja conclusivo, a homofobia foi a razão motivadora dessa barbárie, principalmente num País que devia há muito ter superado socialmente essa questão. 

Os estupros coletivos registrados no Rio de Janeiro e no Piauí são outros exemplos de mentalidade regressiva que afronta qualquer respeito à cidadania e ao comportamento civilizado. O fato é que a violência parece independer do grau de desenvolvimento econômico e social, mesmo considerando que em lugares onde prevalecem a desigualdade e a corrupção institucional (como, por exemplo, o Brasil, o México, Serra Leoa, etc.) ela seja mais comum e banalizada. 

Não há dúvida de que atos violentos tem atingido mais às mulheres, crianças e homossexuais, além de membros de comunidades étnicas diversas. Mas a verdade intrínseca a esse dado é que a violência tem como alvo preferencial os pobres e  aqueles destituídos das noções de direitos. 

Nos atos terroristas, acontece a mais absurda das crueldades: as vítimas são aleatórias, incapazes de qualquer defesa e reação. No trânsito, a imprudência e o alcoolismo ceifam milhares de vidas diariamente. Na guerra do tráfico de drogas, a disputa por território e mercado de consumo provocam milhares de assassinatos todos os anos.  Sem contar a corrupção governamental, que desvia recursos valiosos da saúde para o enriquecimento pessoal aqueles que não se importam com a vida humana. 

Não dá para reduzir a violência ao que diariamente é noticiado na mídia, pois isso é apenas a parte visível do problema. Se compararmos o que acontece hoje com os fatos da idade média ou mesmo com acontecimentos nos séculos XIX e XX (duas guerras mundiais)  somos obrigados a concordar que evoluímos razoavelmente. Mas mesmo assim, nossa natureza primitiva convive com um ser altamente desenvolvido tecnologicamente e, por isso, não entendemos completamente esse paradoxo.

O que fazer para reduzir a violência do seio da humanidade? Não há respostas únicas para essa pergunta. As respostas são variadas porque os atos violentos não são unívocos. Dependemos do processo civilizatório para classificar todas as formas que leva um ser infligir danos irreparáveis (física e psicologicamente ) ao outro.  

Por isso o Estado Democrático de Direito é tão importante. Só a mediação, a interlocução e leis e instrumentos preventivos podem reduzir a violência atuais. Por essa razão, o debate sobre porte de armas, as manifestações públicas pela paz contra o terror, o combate ao racismo e à homofobia, a crítica sistemática da violência contra as mulheres, enfim, todas essas formas de luta política moderna sejam capazes de constranger moralmente aqueles que fazem do fanatismo, da loucura e da irresponsabilidade seu modus operandi. 

Os resultados não são aqueles que gostaríamos que fossem. Mas paulatinamente a boa vontade de homens e mulheres que ainda não perderam a capacidade de se indignar com atos bárbaros estão fazendo a diferença.