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Do lado certo, mas do avesso







Hoje vou escrever uma crítica contundente contra o PSDB. O pessoal do PT vai ficar contente. Os tucanos dirão que mudei de lado. Tudo bem. Na semana seguinte, pra compensar, baixo o sarrafo no PT. A turma do PSDB ficará feliz. O leitor achará que sou um jornalista isento, pois não defendo nenhum dos lados. Mas haverá sempre um espírito de porco que dirá que não falo nada do PMDB. Conclusão: tenho um lado oculto, portanto, minha “neutralidade” é falsa.
Bem, se é assim uma hora terei que dar uma pancada no Eduardo Cunha, Renan, Puccinelli e outros menos cotados. Claro, tenho que preservar minha integridade jornalística e mostrar que não tenho lado. Ou melhor: o meu lado é o lado de quem me lê.
E assim vou seguindo: uma pancada hoje no governador Reinaldo Azambuja, depois outra no prefeito Alcides Bernal, amanhã pego no pé de Nelsinho Trad, em seguida falo da “morena-mais-bonita-do-brasil”, detono o senador Delcídio (coitado), depois vou pra cima de um vereador qualquer, nunca esquecendo de Lula, Dilma, dos empreiteiros daqui e alhures, enfim, vou mostrando que sou “independente”, que não vendi minha consciência ao capeta, não estou a serviço de qualquer interesse e, sim, sou tributário do mais livre e autêntico jornalismo.
Claro, o leitorado é sempre desconfiado e tem sempre gente dizendo que me viu no escurinho do cinema em nebulosas transações com esse ou aquele. É a vida. Quando me canso de bater, resolvo escrever análises “profundas”, geralmente incompreensíveis, mostrando como a crueldade humana se manifesta em sutis mumunhas conspirativas, misturando mentira, falsidade e hipocrisia, tudo para enganar as massas incautas em proveito de grupos exclusivos que estão no topo da cadeia alimentar.
Chegará o momento no qual, para não intoxicar demais as relações com os desafetos, terei que começar a fazer elogios desbragados àqueles que um dia ataquei, defendendo algum ponto de vista coincidente com os interesses de um ou outro, até para que não se diga que eu só vejo o lado negativo das coisas.
Nessa hora, muitos torcerão os bigodes e estufarão o peito para exclamar em alto e bom som: “eu não falei que esse cara está sendo pago para escrever essas bobagens!”. Ou seja: o papel do articulista na imprensa é cruel, desumano e injusto.
Se ele pega leve, o leitor não se interessa. Se fizer o contrário, articula-se uma perseguição política silenciosa contra ele. Se comentar os fatos articulados com algum raciocínio crítico torna-se parcial. Se não comenta, é fácil alguém dizer que está a soldo de alguém.
Enfim, o que a classe política deseja é a neutralidade dos boçais. Ninguém quer sair da zona de conforto. Por isso, o jornalismo crítico é um risco. Concordo que existem chantagistas por aí, mas estes são identificáveis e muitos são calados à base de palmatórias. Mãos machucadas não escrevem.
Atualmente, quem lê comentários políticos nas redes sociais percebe claramente que a besta-fera está à solta. Mas como essas manifestações não possuem o viés do jornalismo profissional, tudo fica por conta da bílis de cada um. É diferente de um texto que circula na mídia de superfície, pois este vem carregado de certa “autoridade” pedagógica.
Aí que mora o perigo. Aí que se dá o combate. É aí que barbaridades acontecem, longe dos olhos de tudo e todos.
O mundo ideal seria outro. O debate aberto das opiniões, a valorização da liberdade de pensamento, a celebração do insulto como maneira de colocar as pedras em movimento nesse imenso tabuleiro de possibilidades da realidade, essas coisas deviam ser encaradas como coisas normais. Mas vivemos ainda nos tempos da obscuridade, apesar de não parecer. Quem sabe isso mude nos próximos 100 anos. Congelemos para, quem sabe, acordar no futuro...