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Crônica de Alexsandro Nogueira: A falange de estercos



Lugares estranhos e sombrios dentro de mim estão vazios ou cheios de palha. Não há carne e nem ossos. Muito menos veias e nervos. Só cordas e cabos que me integram à internet. Eu habito esse mundinho particular esquisito, transformado em inferno não pelas chamas, mas pela capacidade com que tratamos com gelo e frieza quem não gostamos.

A vida fica mais interessante quando filtrada na interface do Facebook. Por isso, decidi transformar minha página na ferramenta em um tribunal clandestino. Ali tomo minhas próprias decisões sobre quem merece ser ridicularizado. Não há consensos, só sentenças. Meu objetivo é destruir reputações. Isso me torna assustador e enegrecido com o tempo.

Sigo cheio de presunção, mas com medo de perceber meu grito abafado na indiferença dos meus amigos virtuais. Gosto de aplicar minha justiça de forma mais terrível, apenas para satisfazer meu humor frívolo e destituído de humanidade e piedade. Perdi parte imortal de mim e o que resta é bestial.

O mundo real não me basta. Sou incapaz de tolerar minha autoimagem. Por isso, escolhi trancafiar-me em um mundo paralelo: o virtual. Dentro dele me regozijo depois de difamar os mais vulneráveis. Antes viver assim do que ficar como os aqueles que o medo os obriga a rastejar na poeira. 

Dediquei minha existência a ser curtível e passei a encarnar um personagem politicamente correto para atingir tal fim. Isso demonstra que perdi a esperança de ser amado por aquilo que realmente eu sou. Por esse e outros motivos, fortaleci meu desejo inquisitivo e aprendi a suportar as dores desta vida. 

Por essas coisas que não consigo explicar, consegui amealhar seguidores. Uns tantos soldados virtuais. Em breve terei meu bando na rede. Gente como eu, de espécie mais sinistra, que não dá bola para o ruído dos inocentes. Eles fortalecem meu lado obscuro e são solidários em uma guerra contra as falhas dos outros. 

É fácil identificar minhas vítimas. Elas frequentam as páginas de política dos jornais e as colunas sociais. Sou fascinado por todo e qualquer pessoa respeitada dentro dos círculos sofisticados e da política. Gosto de criticá-los para criar polêmica e à medida que vejo comentários nas minhas postagens, percebo que estou preso a um comportamento doentio. Como uma ruína que penetra o corpo exausto através de feridas que o homem sadio não consegue notar.

No fundo, há mágoas de sobra na minha história. Tenho a constrangedora sensação de que as pessoas me rejeitam. Nunca fui compreendido e jamais conheci a generosidade de amigos. Quando estou aborrecido, até as postagens mais cativantes ascendem minha ira e acabo mostrando de que matéria abjeta sou feito.

Assim eu sigo. Em uma viagem sem volta. Entre os musgos e pântanos da minha alma. E por mais que a sociedade se transforme positivamente, vou estar por ai. Conectado e açoitando a quem me interessa prejudicar. Porém, fico a me perguntar: será que um dia isso vai acabar? Não sei responder. Tenho poucas esperanças de que isso um dia isso vá acontecer. Mas enquanto houver um maluco curtindo minhas postagens, sigo minha rotina, sigo minha lei.


PS - O personagem acima não existe. Ou melhor, existe no comportamento de cada um de nós que utiliza o Facebook com ferramenta pra fazer juízo de valor sobre ou aquela pessoa. As redes sociais tornaram-se uma enorme câmara de eco, na qual aquilo em que acreditamos é constantemente corroborado por amigos virtuais que acreditam na mesma coisa. Nessas ferramentas, estamos definindo os limites da normalidade aos destruirmos aqueles que estão fora. Loucura.

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