Pages

Consumo e tédio



O atual refluxo da economia brasileira começa a se espraiar emocionalmente pela sociedade. Quando parte expressiva da população experimenta, ao longo dos anos, facilidade para consumir bens e serviços e, de repente, sente o reverso dessa sensação de “bem estar”, naturalmente começa a viver um sentimento de frustração difusa. 
A reação das grandes massas é a de recompor ganhos para manter, ao mínimo possível, sua capacidade de consumir, ou seja, de manter expectativas em torno da satisfação de seus desejos materiais. O consumismo como valor moral tem esse problema: ele se auto-alimenta como se fosse uma força interior que mensura o nosso maior ou menor grau de felicidade perante a vida. 
Estimulado com crédito fácil e barato – como ocorreu no Lulismo – contingentes populacionais, que nunca haviam experimentado as delícias de consumir na base das 60 prestações mensais, foram à luta, criando um caldo cultural que se transmudou no fenômeno da emergência da classe C. 
Os economistas e cientistas políticos estão nos últimos tempos escrevendo análises percucientes sobre o assunto. A leitura desses trabalhos tem fornecido uma visão sombria sobre o que ocorrerá num futuro não muito distante. Não é preciso ler Schopenhauer para compreender que vontade e representação se imbricam num só fenômeno.
Há quase unanimidade sobre o que ocorreu e o que poderá ocorrer neste quadrante histórico. Noutras palavras, o governo ligou a todo vapor a máquina de fabricar dinheiro, sem se importar com a cobrança da materialidade da conta quando houvesse refluxo na economia mundial. 
É inútil lembrar agora que o futuro chegou. Os governos são pressionados a reajustar salários – o consumismo é um vício, certo? -, os empresários e a população reclamam dos aumentos das tarifas e dos impostos, os negócios se retraem por causa da redução de compradores, ou seja, tudo isso vai se refletindo no cotidiano como num circulo vicioso de reação em cadeia, num processo que levará ao aumento do desemprego e de uma forçosa redução ( realista) da base monetária. 
Diante desse quadro complexo e irracional o governo se vê na contingência irredutível de fazer o famoso ajuste fiscal (que significa aumentar impostos para melhorar as contas públicas e reduzir o dinheiro do bolso dos consumidores) numa tentativa infrene de explicar ao cidadão que o momento de alegria passou e agora é a vez da dor e do sofrimento. 
Tente convencer um viciado em estado de excitação que você, sem mais nem menos, tirará aquilo que lhe fornece uma memória de coisa boa: ele ficará revoltado, entrará em crise de abstinência e tentará canalizar suas frustrações contra alguém ou algum ente responsável pelas suas agruras. 
Combine tudo isso com denúncias de corrupção e fastio nababesco de líderes políticos que se aproveitaram da “onda de bonança”, quando todo mundo tava distraído na balada, para roubar como nunca se viu antes na história deste País. Claro que isso provoca ondas de revolta, recalques e insanidades do tipo “retorno dos militares ao poder”.
O ódio contra a classe política, especificamente contra o PT, faz parte de uma fenomenologia que não nasceu por geração espontânea. De nada adianta militantes partidários – em completo desespero – alegarem que o PT “não inventou a corrupção”, que houve “ganhos sociais” nos últimos anos e que pedir a saída de Dilma é golpe.
Primeiro, isso é uma evidente confissão de culpa; segundo, olhando por esse prisma, a corrupção nasceu verdadeiramente com os primeiros sinais de manifestação da racionalidade humana. A questão, companheiros, é outra: o PT transformou o Estado brasileiro num instrumento exclusivo de transações nebulosas, apropriando-se de um naco expressivo do PIB para atender a ganância de uma super-elite incrustada no partido e em seu entorno. 
O drama é que isso coincidiu com um momento histórico em que grandes parcelas sociais experimentaram e tiveram a sensação de gozo com a compra de bens (materiais e culturais) que só o dinheiro proporciona. Ou seja, na base da indignação moral com a corrupção encontra-se o elemento comparativo das coisas que posso adquirir com os recursos que “esses caras querem surrupiar”. Simples assim. A sociedade hobessiana que vivemos não gosta de ver Lula, Dirceu, Vaccari e tantos outros, quase sem esforço nenhum, tornarem-se milionários com o seu, o meu e o nosso dinheirinho. 
Esse sentimento transformou-se num movimento poderoso. Argumentos à esquerda são inúteis. No Darwinismo em que vivemos, a direita ganhará cada vez mais espaço e, certamente, dará o tom político nas próximas eleições. Esses são os fatos. Quem não gostar deles, é melhor procurar consolo no tédio.