A mais recente biografia de Elis Regina intitulada “Nada Será Como Antes”, do jornalista Júlio Maria, pode ser considerada um compêndio definitivo sobre a vida e obra da cantora, que em pouco mais de 20 anos de carreira arrebatou centenas de fãs pelo Brasil.
Em 422 páginas, o autor narra uma trajetória que começou lá nas rádios gaúchas, na metade dos anos 50, e encerra de forma trágica em um quarto no bairro paulistano dos Jardins, em janeiro de 1982.
Terminava a vida da Elis mulher: mãe zelosa e dona de casa prendada para dar lugar ao mito da cantora intensa, barraqueira e temperamental.
Infelizmente é impossível narrar essa história, sem tocar em um assunto tão delicado: a cocaína. Muito longe de ser uma hagiografia, Júlio Maria coloca no livro o episódio drogas e álcool de forma direta.
Com sensibilidade e compreensão dos fatos, ele aborda a questão do laudo emitido pelo legista José Lourenção a respeito da mistura explosiva que matou Elis: tranqüilizantes, doses de Cinzano (uma bebida vermelha e de gosto amargo) e uma quantidade excessiva de cocaína.
No capítulo 24 do livro, Maria descreve o uso de drogas como algo recente na vida da cantora, que fazia uso da substância às escondidas dos amigos e da família. Mulher frágil e deprimida, três filhos pequenos, assim era a Elis que ficou seduzida pelo pó como uma saída para superar a tristeza desde o fim do casamento com seu pianista e produtor César Camargo Mariano.
Aos mais próximos confessava que a separação a colocou no fundo de um poço sem mola. Para o público do inicio dos anos 80, Elis estava em uma fase de transição: deixava o samba-canção de lado para aventurar-se de corpo e alma em uma nova seara: o estilo pop.
A Elis repaginada com roupas com ombreira e uma voz mais destrambelhada apareceu pela primeira vez para temporada de shows do disco “Trem Azul”. O espetáculo mostrava uma cantora mais solta e com uma postura jovial, bem da diferente da cantora que eternizou “Romaria” e “Sabia”.
Naquela época, com os rompantes de uma juventude tardia e carente emocionalmente, Elis cedeu ao romantismo sem compromisso e passou a circular ora com Fábio Jr., noutro momento com Guilherme Arantes. Mas a vida particular de Elis Regina Carvalho Costa é menor perto da importância da cantora para música brasileira. Elis apareceu ao Brasil no inicio dos anos 60 para gravar o desprestigiado “Bem vindo à Brotolândia” e disputar o título de bonequinha do iê, iê, iê com Celly Campelo.
No Rio da Bossa Nova fincou residência até ser lapidada pelo compositor Ronaldo Boscôli e aderir ao samba-canção. Aliás, o compositor de “O Barquinho” merece um capítulo à parte no livro de Júlio Maria, não só pela parte musical que acrescentou louros ao trabalho da cantora, mas pelos episódios marcantes de amor e ódio quando ambos tornaram-se um casal.
Mesmo aqueles que torceram o nariz ao trabalho de Elis como interprete foram obrigados posteriormente a reconhecer nela valores distantes a qualquer outra cantora brasileira. Nomes como o compositor Tom Jobim, que no passado alfinetou Elis a comparando com o aroma de churrasco, curvou-se ao talento da gaúcha.
É dela a interpretação marcante de “Águas de Março”, ao lado de Tom, trabalho que atingiu o primeiro lugar no ranking dos discos mais vendidos da carreira do maestro.
Posteriormente, ainda teríamos o privilégio de ouvi-la no refinado “Falso Brilhante”, considerado com um dos melhores discos da cantora.
Elis se foi aos 36 anos, mas deixou uma obra vistosa na galeria da MPB. Mais do que isso, criou um estilo, uma forma muito peculiar de cantar ao carregar de emoção suas interpretações.