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Dante Filho: o mal adora as crianças da internet


Quando somos diariamente submetidos às guerras, ameaças, chacinas, assassinatos inexplicáveis, concluímos que estamos sob o domínio do mal. 

Uma pergunta retórica: o que você escolheria para zoar maldosamente com os amigos? Aquele cara rezando para psneu queimado numa rodovia de Santa Catarina ou a blogueira Esquerdogata humilhando policiais em Ribeirão Preto dentro de um camburão?

Como escreveu o filósofo Byung-Chul Han, "na sociedade da informação não temos tempo para ação racional". Imaginem acontecimentos dramáticos nas mãos de produtores de conteúdos preocupados com o número de curtidas e acessos monetizados quando o sangue jorra em grande escala.

Antes, nós da imprensa, tínhamos sempre 48 horas para ler, refletir e analisar qualquer notícia. Agora, 30 segundos é muito tempo. Isso explica o monte de bobagens e erros que lemos nas mídias, muitas vezes com a perda irreparável de sólidas reputações construídas em longos anos em que o mundo era puro e besta.

Tudo se torna uma questão de urgência e cada grupo polarizado dentro da sociedade deseja impor sua narrativa, criando culpados imaginários, tentando convencer a opinião pública e, se possível, no futuro, transformar isso em votos. Enfim, viramos mercadores canalhas tentando colher migalhas no chão de estrelas.

Não vou aqui exemplificar com a faixa de Gaza ou a guerra de guerrilha no Morro do Alemão. No contexto geral, estes acontecimentos são pontos inflexivos que desenham um grande cenário da cultura contemporânea.

Na filosofia, sociologia, psicologia, nas artes, enfim, em todos os ramos do conhecimento humano estamos tentando há muito tempo compreender as origens da maldade, ou seja, essa necessidade de infligir dano ou dor ao outro, sem empatia, compaixão, muitas vezes por desejo de vingança - sobretudo quando se tem a percepção clara de que a lei e os homens que fazem sua gestão não conseguem dar uma resposta adequada que apascente o espírito indômito de tarados enrustidos..

Geralmente o mal é divisivo. Mesmo aqueles que propugnam pelo bem ficam atordoados diante de fatos de alta malignidade. 

Lembro-me do Papa Bento XVI quando visitou o local onde funcionou o campo de concentração de Auschwitz (onde milhões de judeus foram assassinados da maneira mais bestial conhecida), na qual destacou-se a famosa pergunta: "onde estava Deus?", suscitando especulações de que Ratzinger  desbordava então para o ateísmo.

Agora, quando vejo corpos enfileirados numa rua fedorenta na favela do Rio de Janeiro e vejo milhares de internautas comemorando a matança de bandidos, embora lamentando a morte de moradores e policiais (até porque neste momento de escolhas tudo vira política), não pergunto por deus, mas questiono se não havia alternativa menos drástica para lidar com o problema do crime organizado.

Pelo que tenho lido a resposta é não.

A sociedade brasileira majoritariamente tem uma visão punitivista para crimes perpetrados por grupos criminosos. Estes representam o mal em si. Eles só trazem desgraça e exploração de miseráveis para o gozo pessoal turbinado por uma ganância sem limites.

A direita brasileira defende a tese do "mata e esfola", na linha do "bandido bom é bandido morto". Quem anos atrás assistiu ao filme 'Tropa de Elite" nas salas de cinema deve se lembrar os aplausos da platéia quando a bandidagem era dizimada. Hoje o quadro é pior. Tem muita gente babando sangue por aí como reação a cada notícia da eliminalçao de um membro do PCC e do Comando Vermelho.

Se morre gente inocente, sem problemas, está na naturalizado o "dano colateral".

A esquerda ainda não aprendeu a lidar com essa realidade porque não sabe administrar mentalmente com a pecha de gente má, bruta, desumana no comando do espetáculo. 

A esquerda é especialista em opressão, mas aprendeu a disfarçar. Por isso são chamados de "hipócritas", pelo fato de não ter coragem de encarar a crua realidade. Ou seja: assumir que homens e mulheres carregam suas maldades dentro do peito ( nas pequenas e grandes coisas) mas atuam teatralmente para mostrar uma virtude difícil de conquistar nos tempos da pós-modernidade, onde tudo é marketing, pose e dinheiro.

Por isso, ambos os grupos atacam-se uns aos outros, buscando na verdade conquistar corações e mentes para seu campo, todos, claro, com "a melhor das intenções do mundo". 

O Capiroto gosta de gente bem intencionada. Eles certamente herdarão o reino dos céus. Enquanto isso, o Estado - que devia, em tese, ser o instrumento civilizacional para estabelecer critérios possíveis de pacificação - está cada vez mais entranhado pelo crime, corrupção, numa luta selvagem pelo "meu" contra o "teu".

Racionalmente, não há o que fazer. A única saída é brigar e extravasar pelas redes sociais. Se algum idiota achar que controlando a internet estabeleceremos o reinado do bem sobre o mal pode tirar o cavalinho da chuva. Haverá um aumento exponencial das demandas de ódio e ressentimento que, não desaguando para nenhum lugar, certamente explodirão nas ruas. Aí sim veremos a carnificina e a o grande mal reinando sobre tudo e todos.

É só uma questão de tempo. Oremos.