O legado de Elis Regina não cabe numa playlist.
Minha geração não conheceu Elis Regina nos anos gloriosos do espetáculo ‘Falso Brilhante’, na metade da década de 1970. Não a viu no show ‘Transversal do Tempo’, muito menos ao lado do pianista César Camargo Mariano, com quem foi casada por sete anos e teve dois dos seus três filhos.
Fomos conhecê-la na TV. Na minha memória, o ponto de partida é o dia de sua morte, em 19 de janeiro de 1982. Eu estava em São Paulo, passando as férias na companhia dos meus avós, quando a cidade parou. Tinha nove anos e assisti, ao vivo, à primeira comoção nacional da minha vida.
Sinto uma pontinha de inveja do meu amigo Dante Filho, que não só viveu aqueles anos incríveis, como chegou a emprestar o telefone da casa onde morava, em São Paulo, para que Elis fizesse uma ligação.
No palco (sua maior paixão) nunca deixou de interpretar diferentes estilos, como samba, bossa, balada e até o rock do cearense Belchior, em ‘Como Nossos Pais’. Em 1971, esteve em Campo Grande, no Teatro Glauce Rocha, em uma apresentação memorável.
Fez valer o clichê “versátil”, repetido em quase todos os textos que justificam o posto de maior cantora do Brasil para ela. Elis não gostava desse trono. E estava certa: esse lugar de diva da música é solitário e antipático, não combinava com ela, uma cantora cuja a rotina estava em fazer a feira, lavar roupa e levar os filhos para a escola.
O legado de Elis Regina não cabe numa playlist. Vai muito além do timbre cortante ou da precisão técnica que fazia cada sílaba soar no tempo exato.
No palco (sua maior paixão) nunca deixou de interpretar diferentes estilos, como samba, bossa, balada e até o rock do cearense Belchior, em ‘Como Nossos Pais’. Em 1971, esteve em Campo Grande, no Teatro Glauce Rocha, em uma apresentação memorável.
Fez valer o clichê “versátil”, repetido em quase todos os textos que justificam o posto de maior cantora do Brasil para ela. Elis não gostava desse trono. E estava certa: esse lugar de diva da música é solitário e antipático, não combinava com ela, uma cantora cuja a rotina estava em fazer a feira, lavar roupa e levar os filhos para a escola.
O legado de Elis Regina não cabe numa playlist. Vai muito além do timbre cortante ou da precisão técnica que fazia cada sílaba soar no tempo exato.
Elis moldou um jeito de cantar que era também um jeito de sentir — visceral, entregue, sem concessões à indiferença. Seu canto era urgência. Quando abria a boca, parecia empurrar o Brasil para dentro de si, costurando as contradições do País com notas agudas, graves e imprevisíveis.
Mais do que uma intérprete, Elis foi uma espécie de termômetro afetivo do Brasil dos anos 1970. Traduzia, nas canções, as angústias e os devaneios de uma nação em transe, sufocada pela falta de perspectiva, mas ainda pulsante na arte.
Mais do que uma intérprete, Elis foi uma espécie de termômetro afetivo do Brasil dos anos 1970. Traduzia, nas canções, as angústias e os devaneios de uma nação em transe, sufocada pela falta de perspectiva, mas ainda pulsante na arte.
Gravou de Milton Nascimento a Rita Lee, e de Tom Jobim a João Bosco, costurando um repertório que desafiava rótulos e fazia da incoerência estética um ato político. Era moderna e clássica. Popular e sofisticada. Instável e necessária.
Hoje, Elis vive no gesto de cada artista que se recusa a cantar por cantar. Está em Maria Rita e Pedro Mariano (seus filhos), na força ou na entrega de uma Wanessa Moreno.
Hoje, Elis vive no gesto de cada artista que se recusa a cantar por cantar. Está em Maria Rita e Pedro Mariano (seus filhos), na força ou na entrega de uma Wanessa Moreno.
Sua postura cênica, a honestidade crua com que se apresentava, continua a ser parâmetro para qualquer um que leve a música a sério. E não há quem passe ileso ao escutá-la interpretando ‘Atrás da Porta’ ou ‘O Bêbado e o Equilibrista’. Ali está não só uma voz — está uma alma inteira em combustão