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Alexsandro Nogueira: Manual do bom fanático

 


Nas terras palestinas, nas universidades americanas ou mesmo na cabeça dos inteligentinhos brasileiros, não se discute mais a legitimidade do Estado de Israel, discute-se sua existência no Oriente Médio. 

Mais do que um território, Judeus são tratados como um erro histórico a ser corrigido com sangue e fogo. Mas é justamente aí que o debate, travestido de causa nobre, se revela nos velhos vícios da humanidade: o fanatismo, a paixão mortífera por uma casta pura e impossível.

Há quem insista em explicar o ódio ao povo israelense com mapas, acordos e tratados (como se se tratasse de uma disputa sobre fronteiras e não sobre identidades). 

Mas o fanatismo não se sacia com concessões. Eles não querem um Estado palestino ao lado de Israel. Querem a terra sem Judeus. Querem Jerusalém purificada por uma guerra santa e selvagem. Convém nos lembrar que isso não é invenção recente. Na terra do rei David, Hebrom, 1929. Ali, centenas de Judeus foram massacrados muito antes da fundação do Estado de Israel. 

Estavam onde sempre estiveram e mesmo assim foram caçados como intrusos. A ideia de trata-los como “invasores” é, muitas vezes, apenas o nome moderno para o velho antissemitismo que vem perseguindo os descendentes de Abraão.

Conforme o escritor pernambucano Jorge Zaveruchaque partilhou sua tese em “Armadilha em Gaza”, as ideologias do século XX tentaram apagar os Judeus da história. Não conseguiram. 

Hoje, uma nova roupagem do mesmo impulso tenta apagá-los da geografia. Com slogans que circulam nas redes sociais, em camisetas de celebridades engajadas ou em resoluções da ONU, o discurso antissemita se recicla. Mas a lógica é a mesma: ressentimento social. Um ódio que se crê revestido por senso de  justiça. E isso, sejamos honestos, já não é política, é liturgia.

Não que Israel esteja imune ao fanatismo. Está longe disso. Também ali, o extremismo religioso foi ocupando as brechas políticas com uma gana que beira o delírio. Também ali, a ocupação prolongada e os assentamentos ilegais são sintomas de um Estado que se afasta perigosamente do laico e do racional. 

Mas uma coisa não anula a outra. O fanatismo, como as guerras, não escolhe lado, contamina a todos.

Enquanto isso, os que tentam raciocinar são tachados de cínicos. Os que pedem prudência são chamados de cúmplices. E o discurso público se bifurca entre o dogma e o silêncio.

O confronto entre Judeus e Árabes talvez não seja eterna. Mas é, hoje, uma guerra entre fé e razão, uma luta desigual, onde a bandeira branca não é sinal de pacificação, mas de rendição a uma causa que santifica a morte.

Fanáticos não fazem acordos. Fazem oferendas.


Alexsandro Nogueira é escritor, jornalista e músico