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Alexsandro Nogueira: Folclore para uns, civilização para outros

 

Se o padre espanhol Raimon Panikkar tivesse nascido no continente asiático, talvez sua crítica à modernidade ocidental fosse diferente. 


Ao contrário do que o mundo contemporâneo prega, nem toda modernização passa pelo crivo da ocidentalização. 

O Japão provou isso ainda no século XIX, quando decidiu que haveria ferrovias, fábricas e um exército temível, mas sem abrir mão da sua alma. A China segue um roteiro semelhante: modernizou-se, cresceu, tornou-se potência econômica, mas jamais se rendeu aos dogmas do liberalismo ou da individualidade ocidental.

Isso desmonta a fábula perpetuada no pós-guerra de que existe apenas um caminho para a civilização. A modernidade ocidental, com seu estilo único de direitos, liberdades e consumo desenfreado, não é um destino universal. 

A terra dos samurais tem seu próprio compasso cultural, tão diferente do ocidental que, mesmo após séculos de contato, continua sendo um enigma para quem vê o mundo através das lentes de Paris, Londres ou Nova York. 

A China, então, é um caso ainda mais esquisito: o comunismo sucumbiu em 36 países, mesmo assim, os chineses seguem acreditando na utopia de Karl Marx, mas como um império modernizado, pragmático e dono do seu próprio destino.

E foi a ilusão, de que o mundo inteiro segue uma único caminho, que enganou os sonhadores do ocidente quando a União Soviética desmoronou. Então lembramos da cena dos anos 1990, quando o presidente Mikhail Gorbatchov sorriu, o muro de Berlim caiu, a Coca-Cola entrou na terra de Dostoievski. 

Tudo isso só poderia significar uma coisa: a Rússia será ocidentalizada, capitalista e democrática. Todas as pistas apontavam para isso, mas não foi isso que aconteceu. 

O Ocidente subestimou a resiliência da cultura russa, um povo acostumado a suportar fomes, frio, guerras e invasões sem perder sua essência. Deu no que deu: Putin no Kremlin, a volta do nacionalismo e um desprezo absoluto pelo moralismo progressista que tenta ditar o certo e o errado desde Bruxelas, na Bélgica, ou Washington, nos EUA.

É um erro infantil confundir modernização com ocidentalização. O Japão tem arranha-céus, mas ainda obedece códigos de honra samurais. A China tem bilionários, mas continua com conceitos milenares. A Rússia tem redes sociais, mas ainda governa como nos tempos dos czares. Tudo isso sugere que a modernidade não é um pacote fechado, e sim uma construção múltipla, que cada civilização adapta conforme suas raízes.

O Ocidente, que um dia foi vanguarda, agora enfrenta uma crise de identidade. 

Sua modernidade, antes irresistível, começa a ser desafiada por modelos alternativos. A tecnologia, que deveria consolidar sua supremacia, está sendo usada contra ele por nações que aprenderam a jogá-lo contra si mesmo. O que resta ao ocidente? Reafirmar sua própria cultura, sem a ingenuidade de achar que ela será universal.

O erro fatal do pensamento ocidental é essa pretensão de ser um espelho no qual todas as civilizações devem se olhar. O mundo não é um reflexo da Europa ou dos Estados Unidos. É um mosaico em permanente construção. E os que sobrevivem são aqueles que entendem que para modernizar não é preciso se ajoelhar.


Alexsandro Nogueira é jornalista, músico e escritor