Sou, por natureza, um sujeito pessimista e desconfiado. É só me dar um assunto e encontrarei um jeito de olhar para a coisa de forma negativa. Um traço de personalidade, diria com otimismo meu psicanalista, doutor Rubens. É meu jeito de lidar com a vida, mas é um saco, sobretudo para quem precisa conviver comigo.
Quando minha filha nasceu, entendi que precisava conter-me. Não dava mais para ver trevas em tudo. Era hora de oferecer, ao menos para ela, alguma dose de confiança nas pessoas e no mundo.
Comecei devagar, com frases menos céticas. Com o tempo, fui encontrando pequenos sinais de que as coisas não estavam tão ruins e nem todo mundo está conspirando contra mim.
Às vezes, um elogio é só um elogio e o silêncio dos outros, talvez, apenas cansaço.
Foi com o professor americano Leonard Mlodinow que passei a compreender esse tipo de olhar sobre o mundo e os indivíduos.
Em ‘O andar do bêbado’, ele defende a tese de que todo sujeito desconfiado é centralizador, capaz de dirigir um carro embriagado, mas relutante em entrar em um avião e entregar o controle da vida nas mãos do piloto.
Mas o neurobiólogo Robert Sapolsky, autor de ‘Comporte-se’, foi ainda mais didático e me ajudou a entender tipos como eu. Seu livro não oferece respostas fáceis, mas um labirinto fascinante de fatores que moldam o comportamento humano: química cerebral, hormônios, estímulos sensoriais, ambiente pré-natal, infância, herança genética, cultura, ecologia, evolução.
Para Sapolsky, qualquer comportamento — um gesto, uma palavra, um impulso — só faz sentido quando analisado em camadas.
Primeiro, o que ocorreu no cérebro nos segundos anteriores ao ato. Depois, o que foi visto, ouvido, sentido.
Em seguida, quais hormônios atuaram nos dias anteriores, preparando o terreno para aquela resposta.
Mais além, o impacto de experiências de vida, da infância, do útero materno. E então, a cultura. A biologia da espécie. Milênios de evolução.
É um olhar generoso, porque desmonta a tentação fácil de julgar. E, de certo modo, é um alívio. Se sou desconfiado, talvez haja mais explicações do que eu saiba.
Se consegui mudar, mesmo que um pouco, talvez também seja porque todas essas forças — cérebro, hormônios, história cederam espaço para algo que se chama escolha. E amor.
Não virei otimista. Mas, hoje, ao olhar para minha filha, tenho aprendido a ser, ao menos, menos trágico. E isso já é uma vitória.