Ralph Fiennes em “Conclave”, personagem denso
num filme competente
Minha relação com o cinema brasileiro nunca foi de fidelidade ou devoção. Particularmente, gosto da frase de um amigo italiano radicado em São Paulo: ironicamente ele costumava dizer que filme nacional só com legenda, porque a qualidade do áudio é muito ruim.
Assino embaixo. Essa precariedade técnica é apenas um dos muitos elementos que mantêm o cinema local como um produto de segunda categoria.
A comoção pela indicação de Fernanda Torres ao Oscar de Melhor Atriz, em 2025, foi impressionante. Há tempos o Brasil não se unia tanto em torno de uma figura artística. No entanto, se levamos o prêmio de melhor filme estrangeiro, ainda não convencemos no quesito interpretação. E isso tem razões profundas.
O cinema é uma indústria, e uma indústria depende de muito mais do que talento. As produções americanas, por exemplo, investem pesadamente em tecnologia de filmagem, em equipamentos sofisticados, em pesquisa e inovação. São câmeras de última geração, gruas, iluminação impecável e som cristalino.
Essa infraestrutura faz toda a diferença no resultado final. O Brasil, em comparação, luta com orçamentos limitados e soluções improvisadas.
Mas tecnologia não basta. O roteiro é a espinha dorsal de um grande filme. Hollywood tem roteiristas excepcionais, muitos oriundos da literatura, do teatro e da TV.
O Brasil, por outro lado, tem dificuldade em produzir roteiros que dialoguem com o público nacional e internacional.
Nossa produção ainda está excessivamente focada em narrativas históricas vitimistas ou dramas sociais, enquanto EUA, Europa e até a minúscula Coreia do Sul conseguem contar histórias contemporâneas com uma linguagem mais atraente.
A formação dos atores também é um ponto de discrepância. Nos Estados Unidos, escolas de teatro e cinema preparam os artistas para serem versáteis: eles aprendem a dançar, cantar, interpretar em diferentes registros.
Já no Brasil, a formação muitas vezes é improvisada, com ênfase na voz empostada da declamação, em vez da naturalidade. O resultado é frágil: performances artificiais, sem densidade emocional.
Além disso, há o fator cultural. O público brasileiro cresceu consumindo cinema estrangeiro. Nossos referenciais são americanos, franceses, italianos e ingleses.
Aprendemos a apreciar narrativas bem construídas, interpretações profundas e produções tecnicamente impecáveis. O cinema nacional, salvo exceções pontuais, ainda não conseguiu se inserir plenamente nesse padrão.
Aos que sentem as produções locais injustiçadas, sugiro que assistam com humildade à interpretação de Ralph Fiennes em “Conclave” e façam uma reflexão: por que o Brasil ainda não produziu um ator com essa capacidade interpretativa?
Como todo bom ator inglês da escola shakespeariana, o cara não declama, ele incorpora o personagem. Essa performance é um espelho no qual podemos ver claramente a defasagem de uma indústria que insiste em jeitinhos e improvisos, em vez de formar artistas que vivam, de corpo e alma, seus personagens.
Seguimos como espectadores do nosso próprio fracasso interpretativo. Celebramos Fernanda Torres porque queremos acreditar na fantasia de que estamos no mesmo patamar dos grandes. Mentira, não estamos! Mas, enquanto não resolvermos as falhas estruturais da nossa dramaturgia, essa torcida será sempre um gesto mais patriótico do que artístico.